quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pequenos excertos da «A Ética da Autenticidade» de Taylor

“Pode ser importante que a minha vida seja escolhida, tal como John Stuart Mill sustentam «On Liberty», mas a não ser que algumas opções sejam mais significativas que outras, a própria ideia de livre escolha cai na trivialidade e, como tal, na incoerência. A livre escolha como ideal só tem sentido porque alguns temas são mais significativos que outros. [...] Deste modo, o ideal da livre escolha pressupõe outros critérios de sentido além do simples facto de escolher. Este ideal não se sustenta por si mesmo porque requer um horizonte de critérios importantes que ajudem a definir em que medida a autodeterminação é significativa” (Ed 70, pp. 52-53).

"Em poucas palavras, podemos dizer que a autenticidade (A) implica (1) criação e construção, assim como descoberta, (2) originalidade e frequentemente (3) oposição às regras da sociedade e, eventualmente, ao que entendemos por moral. Mas também é verdade, como vimos, que (B) requer (1) abertura a horizontes de sentido (porque, de outra forma, a criação perde o contexto que a pode salvar da insignificância) e (2) uma definição de si feita em diálogo. Tem de admitir-se que se produzam tensões entre estas exigências, mas é nefasto privilegiar, sem mais, umas em detrimento das outras, por exemplo (A) em detrimento de (B) ou vice-versa" (Ed 70, p. 75).

domingo, 11 de julho de 2010

O Impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião - Parte 3


Este tema foi dividido em três partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à na terceira parte, uma leve abordagem do impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.

A partir de Witt. II, surgiram muitas tentativas de elaborar uma Filosofia da Religião: tentativas de procurar outorgar a Religião um estatuto de respeitabilidade e racionalidade.
Formas de usar Wittgenstein à Filosofia da Religião: (i) Defesa do Agnosticismo - Parece, à primeira vista, que a filosofia wittgensteiniana sustentaria uma religião agnóstica, e não positiva como a cristã; (ii) Filosofia Analítica - estudar a gramática das expressões religiosas como se estuda a gramática de outros jogos de linguagem (esta postura desapareceu com o estudo aprofundado de Wittgenstein).
Essencialmente, deparamo-nos com duas posturas:
(i) Cyril Barret (1925-2003)
– insistência na importância da linguagem religiosa (filosofia analítica). Só podemos saber e avaliar a religião se estivermos introduzidos na sua expressão linguística [a crítica só vale a partir de dentro]. O crente procura expressar algo próximo ao indizível: nesse sentido, Wittgenstein segue a linha da patrística medieval a respeito da inefabilidade da linguagem religiosa. Assim, nem favorece o fideísmo nem o irracionalismo: apenas mostra como funciona a linguagem religiosa, com as suas características diferenciadoras dos outros tipos de linguagem (nomeadamente a cientifica);
(ii) Dewi Zephaniah Phillips (1934-2006) [protestante] – insistência na importância da prática religiosa – Wittgenstein assinalou uma prática, uma forma de vida, um compromisso com o mundo como um todo. Sustenta-se nas Investigações Filosóficas: “a filosofia deixa as coisas como estão”. Deve, portanto, permitir que a religião se manifeste tão como é. Assim, em lugar de considerar a religião como algo plenamente autónomo, ou defender como verdadeiras as proposições do credo religiosa, devemos, com Wittgenstein, ver a prática das pessoas religiosas.
- Crítica de K. Nielsen – Phillips é fideísta » enquanto Wittgenstein defende a religião em detrimento da teologia, Phillips defende a fé em lugar da teologia.
- William Donald Hudson – posição mais moderada [linguagem e praxis]. Existem dimensões humanas claras [como a ética e a cientifica]; e existem dimensões obscuras [como a religião], apesar de essencial ao ser humano [Wittgenstein I diz-nos que o valioso, dentro do qual se situa a Religião, é inexpressável; para Wittgenstein II, a religião delimita um espaço fundamental da vida humana, comportando um jogo de linguagem especifico e particular].


A ORIGINALIDADE de WITTGENSTEIN

Afinidade com o pensamento judeu – (i) “a Palavra é tudo e é nada”; o mais importante, no religioso, é o que não se expressa (absconditus); (ii) a revelação, não se dá na linguagem, mas na acção, na prática.
Originalidade de Wittgenstein em relação ao seu tempo – (i) afastamento do neopositivismo e do marxismo, que viam na religião um deslize humano contra o conhecimento (concebiam a Religião como algo a ser superado); (ii) afastamento em relação ao intelectualismo; (iii) exercita uma filosofia da religião que, mantendo-se crítica e distante, aproxima-se da Religião para a compreender, procurando evitar os seus maus usos.
Para Wittgenstein, a Religião é um signo do ser humano, o humano expressa-se através dela.


Complemento – Theology after Wittgenstein, Fergus Kerr [Fergus KERR, Theology after Wittgenstein, Basil Blackwell, New York, 1988].
- Tese de Kerr – a teologia está saturada do solipsismo cartesiano. Wittgenstein termina com cartesianismo na teologia: a via de comprovar a existência e os atributos de Deus pela certeza subjectiva e individual conduziu-nos à “morte de Deus”. [Rahner não tem razão: a teologia não deve centrar-se na consciência; isso é a sua ruína].
Desde Descartes, operou-se uma viragem, não apenas na filosofia, mas também na teologia: “theologians in the cartesian era” – ênfase no sujeito/ indivíduo [Rahner considerava que era impossível evitar, desde Descartes, a filosofia antropológico-transcendental]; no entanto, com Wittgenstein, somos convidados – em lugar de procurar racionalizar os dogmas da fé e explicá-los universalmente – a abandonar a argumentação desta subjectividade solipsista que exclui a pertença a uma comunidade/ tradição [proximidade de Karl Barth]; só é possível “explicar” e “justificar” a fé pela vivência concreta, num jogo de linguagem específico partilhado por uma comunidade.
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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ética - uma compreensão inquieta acerca da existência e do agir humano.


I

O quotidiano do Homem tornou-se infindavelmente conturbado, sobretudo após diversos acontecimentos na sua História recente, o que contribuiu para uma necessidade iminente de inclusão da Ética como um pensar incontornável e cada vez mais decisivo na experiência de alteridade. Podemos aqui apresentar, inclusivamente, diferentes fundamentos para tal urgência, desde o crescente número de alienações, a precária condição humana, tiranias e humilhações que devemos combater através do discurso ético. Cada vez mais se manifesta o carácter indispensável de mudança, como que um renascer. Porém, desta vez, o renascer deverá remeter-nos para uma civilização à escala global onde valores como a Dignidade, Liberdade, Justiça e Bondade deverão prevalecer.
Tal combate, passível de realização através do discurso ético, visa o alcance de um consenso universal e simultaneamente solidário, visando o bem comum e uma busca incessante de valores que possam orientar a existência humana. Daqui surgiria uma civilização mais responsável, onde a vida humana conseguiria reaver algum sentido, visto que não deveremos esquecer nunca o seu carácter de finitude, algo efémero, contingente e determinado. De salientar, todavia, que o carácter finito da condição humana, não impede a realização de um projecto vital, pois é a partir deste mesmo projecto que o indivíduo descobre a sua própria autonomia, reflexo da sua vontade livre e desejavelmente racional.
Assim, a Ética apresenta-se-nos como um convite à acção, a um bom exercício da vontade, capaz de facultar argumentos contra as injustiças, violência, alienações, e erros. A Ética surge-nos como uma compreensão inquieta acerca da existência, que se vai actualizando consoante os ditames da vida humana, afirmando valores constitutivos de todo o agir, tendo em vista o sentido de responsabilidade para com o outro.
Deste modo, e ainda neste mesmo contexto, será incontornável fazer uma alusão à inseparabilidade entre Ética e Filosofia. A Filosofia é concebida como uma reflexão constante, inacabada, sempre em processo. Reflexão, esta, que se debruça sobre o sentido da existência e condição humana, cujo objectivo aponta para a compreensão da totalidade, mas também para a criação e orientação de um projecto vital. A Filosofia será, então, uma sabedoria para a vida, pensamento basilar, existencial e dinâmico, que conduzirá indubitavelmente a um projecto ético.


II

O Homem é ser no mundo. É perante ele que se abre um horizonte de possibilidades, no qual poderá, a todo o momento, esboçar um plano para a sua passagem pela existência, não obstante da sua finitude, triste condição humana. Considerando-se um ser contingente, afigura-se-lhe recomendável seguir todo um caminho de racionalidade, procurando respostas para todas as suas questões fulcrais.
Devemos ainda salientar que não existe apenas uma ética, mas várias éticas, na medida em que se pode encontrar uma ética religiosa, política, económica, etc. No conjunto de todas as éticas mencionadas, a ética política apresenta-se como a mais relevante. Isto é, a ética política assume, aqui, maior importância, pois ela tem a capacidade de nos levar a uma sociedade mais justa, possibilitando, deste modo, a concretização plena e/ou usufruto da dignidade humana, aspecto intrínseco ao Homem.
A Ética é marcadamente um esforço de reflexão sobre o agir humano, tendo como finalidade a boa orientação desse mesmo agir. Assim, podemos encarar a Ética como um constante trabalho de aperfeiçoamento do Homem, não esquecendo nunca que ele é um ser no mundo, facticidade da qual decorre um diálogo permanente entre o Eu e a circunstância.
Da liberdade advém sempre a noção de responsabilidade, na medida em que existe entre elas uma relação de implicação recíproca. Isto porque, só é responsável quem é livre, todavia, ser livre implica por si só ser responsável (nas suas decisões e acções).
Concluímos, então, que o Homem é detentor de dignidade, fazendo dele um ser de valor incomensurável.[1]

Mas outra questão se coloca: como podemos fundamentar o agir humano? Para proceder a esta explicação, podemos nomear alguns autores da filosofia moral como: Kant, John Rawls, Apel, entre outros. Tais autores apontam para uma ética baseada na racionalidade ascendendo, a todo o momento, a uma universalização por muitos desejada. É no princípio do querer (mediado pela razão e vontade autónoma, portanto livre) que se deve procurar, através do diálogo, a resposta para a fundamentação da Ética.
A Ética é um pensar essencial, nomeadamente na reflexão sobre o agir humano, em prol do bem comum. A sua fundamentação deve justificar a preferência de uns valores em detrimento de outros.



     Em suma, verifica-se que somente se poderá construir um novo conceito de humanidade a partir do momento em que se possua uma sabedoria fundamentada na autonomia, no respeito pelo outro, na tolerância e não menos importante o diálogo, pois vivemos sempre numa experiência de alteridade com responsabilidade.


[1] Neste sentido poderíamos aludir a Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde postulou as suas máximas em prol da dignidade humana, como por exemplo: “Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio.” Conclui-se que o valor dos seres humanos está acima de qualquer preço. Os seres humanos têm um valor intrínseco, a Dignidade.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Religião na Filosofia de Wittgenstein - Parte 2: Investigações Filosóficas (1953)


Este tema foi dividido em três partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à na terceira parte, uma leve abordagem do impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.


Aparente paradoxo: apesar de quase nunca fazer referência (directa) ao religioso e de o remeter a um jogo de linguagem, a partir da segunda filosofia de Wittgenstein surge uma rica e variada filosofia da religião.
Diferenças entre as duas fases do pensamento wittgensteiniano

Wittgenstein I Wittgenstein II
Religioso situa-se no absoluto, no valioso Religioso constitui uma das muitas manifestações da vida humana (é relativo e parcial)
Deus não se pronuncia A palavra Deus tem sentido dentro do jogo de linguagem da religião
Mutação dos conceitos chave – da Teoria Pictórica (com factos e proposições) para os Jogos de Linguagem (formas de vida, gramática profunda, regras de uso).

1) Jogos de Linguagem (Sprachespielen) – o sentido das palavras e das proposições já não depende do facto objectivo a que se refere, mas ao contexto em que a proposição é proferida [passagem do atomismo para o holismo/ coerentismo]; o jogo de linguagem é autónomo [não há uma disciplina catedrática que avalia que regras podem ser adoptadas]; as regras são internas a cada jogo de linguagem; cada jogo de linguagem só pode ser criticado a partir de dentro [das suas próprias regras internas]; dar significado é a função das regras do jogo de linguagem; alcança-se o conhecimento das regras, não mediante um intelectualismo estrito, mas a partir da prática.
Nota: o Tratactus só analisou um jogo de linguagem possível: o da ciência.
Consequência: já se pode dizer “Deus” (não existem limites da linguagem, apenas jogos distintos que revelam diferentes (e possíveis) formas de vida).
O jogo de linguagem do religioso não se deduz a partir de outro jogo de linguagem [é autónomo]. “Deus”, ao contrário de “átomo”, não pertence à linguagem da ciência mas tem sentido dentro do contexto da linguagem própria do sagrado. Por isso, apesar de exigirmos a verificação empírica de átomo, não podemos fazer a mesma exigência em relação a Deus [situa-se num jogo com regras de uso distintas daquelas que são utilizadas na linguagem científica].

A ciência não pode avaliar a existência de Deus, nem pode julgar as crenças religiosas. Só podemos criticar uma religião se a conhecermos desde dentro, a partir das suas regras internas, cujo conhecimento se obtém pela sua prática [vivência].

2) A crítica aos jogos de linguagem

Argumento contra o uso da filosofia dos jogos de linguagem: as religiões dizem conhecer algo que é válido fora do seu jogo de linguagem, consideram que o seu credo constitui uma Verdade universal e absoluta, não limitada a usos particulares realizados em situações concretas.
Resposta: (i) a abordagem de Wittgenstein quadra bem com o fideísmo luterano (não define Deus, mas remete-se para uma vivência pessoal); (ii) através dos jogos de linguagem não se descreve a religião, apenas se dá uma nova interpretação da mesma.

Wittgenstein II não é relativista? (i) é relativista no sentido de afirmar que algo é válido no Jogo de Linguagem A e falso noutro jogo de linguagem distinto; (ii) contudo, há um critério não relativo que estabelece a não verdade em questão.
Resposta: se alguém professa um credo professa-o absolutamente, ou seja, quem o profere aplica-o inteiramente à sua vida, ao seu agir [o homem religioso expressa-se absolutamente, não por entrar em contacto com o absoluto, mas por expressar o credo absolutamente; em Wittgenstein II, o valioso aparece no sentido de valer absolutamente].
Dois problemas desta interpretação: (i) como pode uma crença ser absoluta sem ser empírica?; (ii) como se relaciona um jogo de linguagem absoluto com outros jogos relativos?
(1) Wittgenstein refere-se a atitudes (formas de vida): sujeitos com crenças diferentes não se entendem, não se faz comunicação.
(2) A religião é um jogo de linguagem que se joga absolutamente, o que significa: (i) só alguns o jogam absolutamente; (ii) ou que todos os homens podem jogá-lo absolutamente.


3) As consequências da crítica

As crenças religiosas não se fundamentam como as hipóteses empíricas; o jogo de linguagem do religioso é claramente distinto dos restantes jogos de linguagem [proximidade de Karl Barth].
Questão do não-crente: o não-crente entende o significado da palavra Deus que o crente expressa; não entende as razoes que o levam a atribuir tal significado a essa palavra e, sobretudo, não compreender como o crente chega a ordenar toda a sua vida em função daquele significado [e de outros significados do mesmo jogo de linguagem]; o que o ateu não compreende é o impacto da religião na vida do crente [o significado que provém da vida do crente] – “o modo segundo o qual usas a palavra «Deus» não nos mostra a quem te referes mas o significado que dás”, diz Wittgenstein.

Particularidade do jogo de linguagem do religioso: tem regras mais complicadas, porque trata temas relacionados com toda a Vida, e não com um aspecto da Vida [visão do mundo como um todo, e não uma situação/ um facto do mundo]; na religião expressa-se o sentido total da existência » a religião é uma atitude que cristaliza um modo de ver o mundo [uma forma de vida global e englobante]: “a vida pode educar alguém a crer em Deus. E são também experiências as que conseguem tais coisas… sofrer de várias formas. Estas não nos mostram a Deus no sentido em que nos mostram um objecto, uma impressão sensorial”. A crença do crente é anterior à razão, não provem nem se destrói por deduções lógicas (exemplo de Dummet) – a vivência religiosa é meta-racional.
Defesa e interpretação nova do argumento anselmiano: “a essência de Deus se supõe que garanta a sua existência: o que isto quer dizer realmente é que o que aqui está em questão é a existência de algo” – a existência é indiscutível (esta é a primeira e a mais firme das crenças) – a essência de Deus mostra-se na vivência do crente [a existência do religioso não se discute, porque é condição de possibilidade da vivência pessoal do crente e do seu agir].
Conclusão: como a crença religiosa é distinta de todas as outras por estar construída sobre toda a vida, não pode ser refutada como as demais: para a destruir tem de se mudar toda a vida, toda a acção, do crente; trata-se de uma crença que não se capta no pensamento, mas na acção, na Vida.
Nota: por isso, alguns neowittgensteinianos reduziram a religião à prática.


4) Crenças e não crenças na Religião – Existem crenças religiosas?

A religião é meta-racional – a conversão não é produto do intelecto: o crente não professa uma religião porque alcançou o credo religioso de forma lógico-racional [exemplo do budista]; o convertido passou a ver o mundo a partir do jogo de linguagem da religião em causa (exemplo do budismo) » não são crenças habituais: trata-se de dar um valor simbólico a experiências pessoais » [em Observaciones a “La Rama Dorada” de Frazer (1967), a religião aparece como algo não cognitivo que expressa os anseios mais profundos do ser humano: o mágico-religioso constitui uma reacção expressiva que não brota da reflexão teórica] »
os significados só são válidos, e plenamente compreensíveis, para quem se situa dentro do mesmo jogo de linguagem.
Novidade de Wittgenstein: não há propriamente crenças religiosas; a crença religiosa é elaboração posterior de certas emoções; apenas há a substituição da emoção por uma palavra, que depois nos leva a uma crença [que na realidade constitui apenas uma emoção, e não propriamente uma crença].
Equívocos a evitar: (i) pensar que a religião é crença positiva; (ii) pensar que o mágico-religioso é técnica [como a alquimia do passado, por exemplo]; (iii) o homem religioso cair na teologia.

Fenómeno que ameaça a Religião – considerar que a expressão do sentimento religioso, com uma subjectividade semelhante à da dor, se pode analisar como um facto objectivo.
Conclusão: (i) o fenómeno religioso não tem de se submeter às hipóteses e análises científicas; (ii) o mágico-religioso vale como expressão universal do sentido da vida [o que há de mais importante]; (iii) Wittgenstein apenas mudou a sua maneira de fazer filosofia, não alterou significativamente a sua concepção básica de religião.
Noção wittgensteiniana de Religião – fenómeno humano expressivo e universal; valioso; não se justifica por uma racionalidade estrita [âmbito mata-racional] » [Wittgenstein I: a religião remete-se à esfera do Silêncio; Wiitgenstein II: refere-se a um jogo de linguagem distinto do jogo de linguagem da ciência]; não se justifica, pois é condição de possibilidade de vivência a vida como um todo [uma forma de vida (Lebensform)].

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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Apontamentos sobre Poder e Política

As relações de poder sempre existiram em todas as sociedades, são um elemento constitutivo da própria trama social. A política só existe quando esse poder explícito é questionado, quando as insituições e as leis da sociedade são postas em causa e interrogadas quanto à sua justiça. A democracia é por isso o regime político por excelência, ou melhor, a democracia é a possibilidade da política. A democracia (e a actividade política) é o espaço do partilhável e do participável e não o domínio de especialistas. A política é a afirmação sem reticências , tal como dizia Aristóteles, da capacidade de todos para governar e ser governados, é a actividade daqueles que não têm nenhum direito especial para o fazer, seja esse direito adquirido por filiação, pelo saber, ou pela força.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Deve a Pornografia ser abolida?

Há vários argumentos a favor da proibição da pornografia. Vou considerar aqui os três que me parecem ser mais importantes. O primeiro argumento é que usar a sexualidade como emprego é moralmente errado. No entanto, numa sociedade em que se valoriza a liberdade este tipo de argumento não pode funcionar - trata-se de uma decisão autónoma e é prioridade das sociedades actuais deixar os indivíduos viverem como bem entendem, se isso não prejudicar terceiros

O segundo argumento é normalmente defendido por feministas: a pornografia é um modo de sujeição das mulheres e cria ilusões acerca daquilo que as mulheres realmente querem; consequentemente, é a causa de bastantes violações e comportamentos violentos da parte dos homens. Além disso, cria nas mulheres um comportamento que as diminui e que serve para beneficiar os homens.

Em resposta, pode afirmar-se que a correlação entre violações, comportamentos violentos e subjugação das mulheres por causa da pornografia é bastante fraca. Não existem dados que o demonstrem. Suspeito aliás que a pornografia pode ter tido algum papel na libertação sexual das mulheres no sentido em que liberou o comportamento sexual para ambos os sexos. Além disso, se a ficção tivesse um impacto mais forte do que a realidade, ter-se-ia de desconstruir toda a ficção que se produz.

Outro argumento feminista é que as mulheres que optam pela pornografia (ou pela prostituição) normalmente são mulheres que não têm qualquer outra opção. Admito que em alguns casos possa ser verdade, mas duvido que esta seja a regra. A opção, pelo menos nos casos de pornografia, é feita porque o salário é mais alto do que outros empregos. É pouco provável que as actrizes pornográficas não pudessem ser empregadas de mesa, por exemplo. Este argumento cai ainda no preconceito de que usar o sexo enquanto emprego é errado. No entanto, como vá afirmei acima, é simplesmente um preconceito. Além disso, parece-me que tirar a opção monetária às mulheres e aos homens que teriam de optar por carreiras menos remuneradas, caso não tivessem esta opção.

Existe manipulação das massas?

Existe uma tradição de origem marxista que afirma que o povo é manipulado no sentido em que são usados vários tipos de distracções para desviar as atenções daquilo que realmente é importante. Os exemplos mais usados são os desportos, as revistas cor-de-rosa, etc. Tudo isto, argumenta-se, são apenas objectos de manipulação das massas.

Ainda que seja verdade que muitas vezes as pessoas possam distrair-se daquilo que realmente é importante devido a esta manipulação, o argumento cai em pelo menos quatro erros. Em primeiro lugar, exagera o grau de distracção que estes objectos possam causar. Mesmo que eu me distraia da política (que parece ser o que é realmente importante) eu não fico completamente ausente, não estou noutro mundo por causa disso. Isto é, mantenho, de algum modo, as minhas preocupações e não esqueço que realmente existem problemas. O futebol não me faz esquecer nem na totalidade nem em grande parte os problemas com que tenho de lidar. É, aliás, pouco intuitivo afirmar que se eu tiver cancro, esqueço-me que o estado não me apoia porque me tento distrair com um jogo de futebol.

Um segundo erro é que este argumento considera que os indivíduos não têm nenhum grau de autonomia. Lembro-me de ouvir comentar que o Primeiro-Ministro José Sócrates anunciou algumas medidas fiscais pouco antes do jogo do Benfica começar. É claramente uma manobra de distracção, mas quem escolhe ver o Benfica em vez de ouvir o Primeiro-Ministro está a fazer uma opção que ninguém o obriga a fazer. É óbvio para qualquer pessoa que as palavras do Primeiro-Ministro são mais importantes, mas se ainda assim se escolhe ver o futebol, essa pessoa é inteiramente responsável por essa opção.

Em terceiro lugar, poder-se-ia argumentar que as pessoas não têm acesso à informação devida e, por essa razão, optam por ver o Benfica em vez de ouvir o Primeiro-Ministro. No entanto, isto é falso - a informação existe todos os dias de forma acessível através da televisão, internet, jornais e outros meios.

Em quarto lugar, o argumento parece assumir que qualquer distracção é um erro. Faz parte das nossas vidas usufruir daquilo que gostamos. O facto de eu gostar de ir ao cinema ou de seguir um desporto não implica que eu não esteja importado com o resto. Tenho o direito de optar e fazer aquilo que gosto.

Em conclusão, existe claramente uma tentativa de manipulação por parte das elites políticas; mas a tentativa é insuficiente para manipular as pessoas normais. Os políticos podem dar ópio para fumar, mas só fuma quem quer.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Menos armamento significa mais paz?

Está bastante em moda o argumento de que menos armas no mundo implica também mais paz. Este argumento diz respeito à defesa do estado (polícia, militares, etc.). A tese é que se houver menos armas no mundo, haverá também menos guerras.

Mas será que isto é verdade?

Eu penso que não; aliás, muitas vezes acontece exactamente o contrário - a existência de armas previne que haja mais conflictos. A razão pela qual assim é é que o facto de ambas as partes possuírem armas incentiva a que não se tome o primeiro passo. Em outras palavras, se A e B têm ambos uma pistola, é menos provável que um deles decida atacar o outro. Por outro lado, se apenas um tiver uma pistola, é mais provável que isso aconteça. Factos históricos comprovam-no: não houve guerra armada na Guerra Fria; as invasões de países por parte dos Norte-americanos são sempre a países com pouco armamento - a Coreia do Norte não foi invadida mas o Afeganistão foi.

Dito isto, a questão não se trata de diminuir o número de armas, mas de equilibrar o poder. Diminuir o armamento não funciona e pode, aliás, ter um efeito negativo: as partes têm um forte incentivo para não cumprir o acordo o que poderá levar a um desequilíbrio. Assim, termimo afirmando: "All we're saying is give guns a chance!"

sábado, 19 de junho de 2010

Será o poder a essência do político?


Será o poder a essência do político?

Todo o exercício de poder é coercitivo?

Se se exercer o poder, com a anuência do outro indivíduo, esse poder é coercitivo ou não?

       


  Desde a Antiguidade vários filósofos se debruçaram sobre questões como a política e todos os conceitos que lhe são inerentes. De momento cabe-nos aqui repensar o conceito de poder (como é exercido?).

         A noção de poder:
         Esta noção é susceptível de ser entendida como o direito de mandar, ordenar, deliberar e impor sobre algo e/ou alguém, veja-se por exemplo no campo político as ditaduras e regimes totalitários. Tal conceito pode ainda ser entendido como uma algo em potência que pode vir a actualizar-se a dado momento, consoante as circunstâncias.

         Será o poder a essência do político?
         Relativamente a esta questão, considero que o poder, embora seja importante e necessário para manter uma dada ordem num regime, não é de todo a essência do político. É a sua obtenção que se acaba por tornar a grande essência. O político cresce com as influências que consegue angariar dentro do meio que o sustenta; quanto maior for o número de influências maior será a capacidade deste coagir os outros. Isto pelo simples facto de que o político, enquanto figura que detém o poder, detém igualmente a autoridade. O poder é-lhe, inicialmente[1], reconhecido como válido (legítimo), decorrendo daqui a sua autoridade. A verdadeira política deveria ser aquela que tem como essência uma ideologia uma teoria, onde um grupo poderá ser coagido por uma corrente de ideias e não pelas influências de que possam ser alvo.
         Assim, o poder é importante para o político, mas não é de todo a sua essência. Há que ter em conta o papel relevante da autoridade (quando legítima); como é exercido tal poder e como é usada a autoridade. A autoridade pode ser pensada como uma forma de usar o poder. Deste modo, o político tem autoridade para mandar nos subordinados, e estes o dever de acatar as normas enunciadas pelo político.

Todo o exercício de poder é coercitivo?
Nem todo o poder é exercido de forma coerciva, num sistema verdadeiramente democrático existe a livre escolha de quem irá liderar, pelo menos será a escolha da maioria, embora se possa cair então num paradoxo, uma vez que há minorias que possam não aceitar, sendo que esses acabarão sempre por se sujeitar a uma certa coação pelas normas estabelecidas.
Em casos claros como o comunismo e o nacionalismo ou outras formas de totalitarismo torna-se bastante óbvia a utilização e abuso de poder perpetrado pelo líder do regime para se impor perante um povo. Neste tipo de regimes torna-se fulcral a manutenção do poder e da coação, isto se o indivíduo em questão se quiser manter no poder. Para tal é usada a propaganda, muitas vezes camuflada, como que passando mensagens subliminarmente.


Se se exercer o poder, com a anuência do outro indivíduo, esse poder é coercitivo ou não?

            A meu ver, tal poder não deixa de ser coercitivo, pois não sabemos de tudo aquilo que se encontra por detrás de uma determinada decisão de outro indivíduo, como por exemplo o seu consentimento perante aquele que exerce o poder.
            Atente-se que, quando o poder não se faz sentir, são utilizados meios de repressão, força e violência que ameaçam a vida de vários sujeitos. Estes meios levam a que o indivíduo comum tenha de tomar decisões das quais pode não se orgulhar, mas tendo sempre em vista o bem daqueles que lhe são próximos. Neste caso seria uma decisão forçada, um mal menor, para poder preservar a vida dos seus entes. A anuência seria apenas aparente. O indivíduo teria tomado uma decisão, forçado pela autoridade.
            Podíamos ainda aludir aqui a outro tipo de anuência, através da manipulação e propaganda, onde se vende uma imagem, um ideal. Ao fazer uso da propaganda, é como se o ser humano comum, ao ver aquilo que o rodeia, fosse impelido a tomar decisões quase que de forma inconsciente ou sem saber fundamentá-las convenientemente. A propaganda serve, neste contexto, para o culto à imagem (sendo esta aquilo que rende mais em sociedades menos alfabetizadas).


[1] Usei o termo inicialmente, na medida em que este mesmo poder, do qual o político foi investido, pode a todo o momento ser subvertido por ele próprio, decorrendo daqui o abuso de poder. Com o abuso de poder são visados apenas os interesses particulares do político, a sua vontade por vezes injustificável.

A Religião na Filosofia de Wittgenstein - Parte 1: Tractatus (1922)

Este tema será dividido, mas ainda não definido, em algumas partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à, mas ainda não definido, alguns Filósofos da Religião influenciados por Wittgenstein, com mais algumas notas sobre o impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.

Questão fundamental: Qual é a relação entre pensamento e realidade? Para Wittgenstein, o pensamento só tem sentido se chegar ao mundo. Isso só é possível se as proposições e os factos partilharem da mesma forma lógica.

Teoria Pictórica da Representação – procura uma solução definitiva para o problema da relação entre linguagem e
realidade; as proposições têm sentido se se referirem a factos susceptíveis de serem representados [descritos]; âmbito do que se pode dizer [as proposições com sentido são aquelas que pertencem às ciências exactas e naturais].

Âmbito do sem-sentido – a proposição sem sentido (unsinning) constitui uma afirmação que não se refere a um facto do mundo: (i) tudo aquilo cuja veracidade não pode ser determinada; e (ii) tudo o que superabundantemente seria verdadeiro, sem se explicar nem demonstrar [esfera do religioso].


Conclusão: não se pode falar de valores, porque os valores ou não têm valor de verdade ou são verdadeiros sem justificação » pertencem à esfera do Silêncio [âmbito daquilo que não se pode dizer, apenas se mostra].


1) O Valioso – não se diz, mostra-se: “o valor não é um facto”, não se descreve. A ética, a estética e a religião situam-se na esfera do valioso. Para Wittgenstein, o valor não é compreendido no sentido ético, nem estético, clássico; o que tem valor é o não contingente, o que não pode ser pensado de maneira diferente do que é; Wittgenstein refere-se a valores absolutos, não sujeitos a transformação [não se pode dizer porque nunca poderemos pensar que tal valor fosse de outra maneira].
Nota: diferença entre ética e estética: a ética é menos subjectiva.


2) O Místico – O valioso é o místico: (i) não é como as coisas são; (ii) mas que as coisas são [não se justifica, nem se explica, aquilo que é]; (iii) sentir o mundo limitado como um todo; o místico não se diz, mostra-se. Dentro do místico, o valioso surge como três reacções descritas: (i) estética; (ii) ética; (iii) religiosa.
Consequência: “existe o inexpressável” [Wittgenstein difere da filosofia dos neo-positivas].

3) A Religião – pertence à esfera do silêncio; não é um conhecimento; trata-se de um sentimento, de uma visão do mundo como totalidade (Weltanschaung); uma reacção (um comportamento que se mostra e não se diz); as reacções ligam-se aos limites da linguagem [não se dizem, nem se expressam em proposições]; admiramo-nos, não pelos factos, mas pelo que está acima deles, pelo que possibilita tais factos [o Absoluto]. Como se chega ao Absoluto? – (i) não por dedução (por exemplo, existe o relativo e este necessita do absoluto para existir); (ii) para Wittgenstein, nos factos mostra-se que algo é o fundo das coisas, algo que não se descreve, não se justifica, não se diz: “a proposição mostra o seu sentido”, na linguagem sobre o mundo mostra-se o que a transcende (T, 4022). Importância da vontade – só podemos chegar ao Absoluto pela vontade, não pelo pensamento (influência de Schopenhauer: essência do mundo está para além da representação).
. Consequências: (i) não há crenças religiosas, porque não há conteúdo empírico nas proposições dos vários credos; (ii) as críticas de Russell, Black e Ramsey a Wittgenstein situam-se no nível lógico-linguístico; no entanto, a postura de Wittgenstein procura medir a vontade e o mundo como uma totalidade [nesse encontro aparece o valioso].


4) «Deus» – a religião situa-se dentro do que não se pode dizer; distingue-se da estética e da ética pelo seu valor ser inteiramente pessoal; não se transmite/ ou expressa pela linguagem; apenas se podem utilizar metáforas [dado que se está a ultrapassar os limites próprios da linguagem].
O termo “Deus” aparece, sobretudo, nos Diários, com sentidos distintos: (i) refere-se à vida espiritual em geral; (ii) ao nosso eu mais profundo; (iii) ao mundo como totalidade. Quando Wittgenstein se quer expressar religiosamente usa a palavra “Deus”; enquanto o termo “religião” utiliza para se referir a uma religião positiva concreta.

Deus = Sentido da Vida = Sentido do Mundo

sentido da vida não é o sentido das proposições das ciências naturais, confirmadas ou refutadas pelos factos. Trata-se de um Sentido total fora da linguagem, pertencente ao âmbito da Vontade. Deus refere-se à existência enquanto tal » está ligado à vida/ praxis.

5) Religião e Teologia – consequências da Filosofia de Wittgenstein I:

(i) a Lógica é uma entidade transcendental – apenas se mostra (não se diz) na medida em que é condição de possibilidade da representação (descrição dos factos), da linguagem e dos factos do mundo;
(ii) a Religião é entidade transcendental – Mostra-se através da vontade humana, mostra-se vivendo, sentindo, tendo uma perspectiva da religião desde dentro (ao contrário da Lógica). É condição de possibilidade do experienciar a vida como um todo.
(iii) a Religião não é uma crença – a crença comporta conteúdo proposicional (que pode ser verdadeiro ou falso dependentemente dos factos em causa).
(iv) Religião é incompatível com a Teologia.
(v) o místico não se identifica com nada de concreto – corresponde à vivência pessoal.
Confronto entre o Místico e o Teólogo


Místico Teólogo
Heterodoxo Ortodoxo
Relaciona-se com Deus da Religião (o importante é o inefável) Fala do Deus dos Filósofos (importante é compreender)
Teologia negativa Teologia positiva

Nota: Wittgenstein I não se interessa pela Filosofia da Religião, apenas pela Teologia negativa (mais próximo dos místicos). Influência da Teologia Judia de Rosenzweig no Tratatus: o sujeito situa-se fora do mundo e encontra-se com Deus directa e individualmente; trata-se de um Deus sempre ausente [vela-se o inefável], que não se pode nomear, um Deus que sustenta o mundo mas não se revela concretamente nele.

Conclusões: (i) a primeira filosofia de Wittgenstein, não suporta a Filosofia da Religião; (ii) pode ser aproveitada pelo religioso e pelo sagrado no sentido da valorização mística; (iii) teologicamente só ajuda o sagrado a partir de uma Teologia negativa que, em lugar de definir Deus e seus atributos, remete-se ao silêncio ou à negação. Então, a ciência não pode refutar o religioso, pois nesse caso criaria proposições sem sentido; Deus não pode ser nomeado, mas pode ser vivido, experienciado, pessoalmente por cada ser humano; não se justifica a Religião pela racionalização e sistematização teológica dos dogmas, mas por uma praxis concreta.
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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O que é a arte?

Uma questão que sempre me interessou é "Qual é o critério ou critérios que distinguem uma boa obra de arte?" ou, simplesmente, "O que é a arte?". Para muita desilusão minha, os critérios possívies são, a meu ver, fracos e/ou contingentes. Há dois critérios principais que normalmente são evocados.

Um dos critérios é o grau de sofisticação ou de dificuldade que a obra exige. Quanto mais difícil for a técnica, melhor a obra. Há pelo menos duas razões que sugerem que este critério é falso. A primeira razão é que muitas obras normalmente consideradas como extraordinárias não requerem qualquer tipo de capacidade técnica. O exemplo mais claro é A fonte, de Duchamp. A Fonte é um urinol e nada mais. Ora, se A Fonte é considerada uma obra, este critério não pode ser verdadeiro. Ou se abandona a ideia de que A Fonte é uma obra ou a ideia de que este critério é verdadeiro. Uma vez que é praticamente unânime, entre os especialista, que se trata duma obra, deve optar-se pela segunda opção. A segunda razão pela qual o critério é falso é que não é intuitivo afirmar que a uma obra concebida no século XIV, quando as técnicas artísticas não eram tão avançadas como hoje, é uma obra menor do que uma obra do século XX.

Outro critério possível é a capacidade que a obra tem de transmitir uma mensagem ou ideia. No entanto, este critério está em grande parte sujeito à pessoa, ao contexto histórico, cultura, entre outros factores. Portanto, não é possível caterogizar uma obra com este critério por não ser possível universalizar as propriedades. Pode argumentar-se que o que interessa é a qualidade da mensagem transmitida. Mas isto depende também da pessoa que contempla a obra - não é possível universalizar as propriedades.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A Evolução Darwiniana das Culturas

Do ponto de vista Ocidental, outras culturas parecem muitas vezes serem algo de bastante exótico que tem pouco ou nada que ver com o Ocidente. A este ponto de vista subjazem duas premissas: 1) as culturas evoluem independentemente do que acontece nas outras culturas (as culturas são independentes umas das outras) e 2) a identidade de cada um é formada apenas pela cultura própria onde cada um se insere.

Ambas as premissas são falsas. Em relação à primeira premissa, as culturas evoluem consoante as oportunidades que têm. Em termos darwinianos, as culturas seleccionam, imitam e modificam as suas crenças e práticas de forma a conseguirem sobreviver. A segunda premissa é também falsa exactamente pela mesma razão: as identidades de cada um (supondo que existe uma identidade cultural) dependem da sobrevivência que cada um tem de enfrentar. Os homens agem de acordo com o seu próprio interesse que é, primariamente, sobreviver. Consequentemente, a identidade que se forma será uma melange de diferentes culturas.

Em conclusão, as culturas, pelo menos hoje, não são radicalmente diferentes porque o comportamento dos indivíduos é adaptativo. Ainda que algumas práticas e crenças pareçam ser radicais, os motivos que subjazem são muitas vezes semelhantes. Para dar um exemplo, na Nigéria estudos demonstraram que a razão pela qual se exercia mutilação genital feminina era porque quem não o fizesse tinha menos probabilidade de casar; quantos comportamentos semelhantes a este se podem encontrar no Ocidente?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Monarquia ou República?

Existe algum debate sobre qual dos regimes é melhor - monarquia ou república. Eu penso que é indiferente, se o regime não for presidencial. É indiferente porque seja um Presidente ou um Rei as decisões têm de respeitar a constituição ou a lei. Isto é, ambos têm de se seguir pelas regras do jogo e não podem sair fora delas. Além disso, em termos de funcionalidade, não se pode afirmar que as monarquias funcionem pior que as repúblicas. Há, aliás, países para todos os gostos - Dinamarca, Reino Unido, Espanha, Noruega.

Pode haver o argumento de que há um significado simbólico contra a opressão ao aceitarmos a República e não a Monarquia. No entanto, países como a Espanha, devido a contextos históricos, onde o Rei é visto como o oposto de um regime opressivo este argumento não funciona.

Pensar a cidadania, hoje.



Pensar a cidadania, hoje.1
A questão da cidadania surge-nos desde a Grécia Antiga, onde apenas os homens livres teriam acesso, sendo, por isso, considerados como cidadãos de plenos direitos, podendo exercer cargos políticos. Todavia, esta definição, tal como se apresentava, excluía elementos importantes da vida quotidiana. Tais elementos eram parte integrante e indispensável para o bom funcionamento da sociedade, a saber: as mulheres, os estrangeiros e os escravos.

Com o decorrer dos tempos a escravatura desaparecera, e só mais tarde a mulher viria a ser considerada como cidadã, ainda que, por vezes, com algumas reservas. Contudo, há ainda um elemento não menos importante na vida das comunidades, os estrangeiros.

Tendo em conta estes aspectos, afigura-se-me pertinente, pensar a cidadania no contexto actual. Para iniciar esta linha de pensamento, poderia colocar várias questões, desde: o que é, de facto, a cidadania? Que critérios empregamos para atribuir a cidadania? Quem é o cidadão pós-moderno e o que o distingue do cidadão tradicional?

Como lida o Estado com este novo cidadão que assume a hibridez da sua identidade, que reivindica o seu direito à diferença e às suas múltiplas lealdades, das quais a lealdade ao Estado é apenas mais uma?2


Poderíamos considerar a cidadania enquanto forma de concretização da ideia de comunidade bem estruturada levada à perfectibilidade, com capacidade de gerir a vontade colectiva. Daqui surge uma nova configuração e compreensão da vida pública que, tendo como base o Estado, não menospreza a vida privada.

Porém, o Estado, mesmo aquele que se proclama liberal, tem vindo a evidenciar-se na vida do cidadão. Deste modo, o indivíduo não conseguirá usufruir plenamente da sua cidadania. Assim, parece ser inevitável uma transformação da cultura política para que, desta forma, seja possível responder a questões tão prementes como a integração social, a solidariedade e a contenção do Estado. É por meio desta mudança que o cidadão se reencontra com a esfera pública, podendo, então, participar activamente enquanto legislador e detentor de direitos.

A identidade da cidadania decorre da relação entre cidadania e nacionalidade na era moderna. Tal relação surge enquanto espaço legal de direitos, dependente do Estado-nação para a concretização dos mesmos (incluindo os direitos humanos).

Na era moderna, a humanidade revela-se através da acção legal, garantida pelo Estado-nação. Contudo, e como se pôde ver ao longo da História, sempre existiram apátridas, perseguidos, refugiados. Indivíduos que não foram acolhidos por Estado algum, vendo assim negado o acesso aos seus direitos: negação da humanidade fora dos limites do Estado.3

De facto, é o Estado, enquanto soberano, que domina a cidadania, a paz ou a guerra. Mas, será possível pensar uma cidadania fora do domínio de qualquer Estado, onde haja respeito, protecção e efectivação dos direitos humanos? Podemos pensar propostas para uma ética à escala planetária, onde se faça um apelo à aceitação do outro, superando as diferenças culturais; garantindo a protecção jurídica dos direitos humanos.

Todavia, as propostas para uma solidariedade de acção global têm vindo a ser subvertidas. Veja-se, por exemplo, nos casos de intervenção humanitária, a qual depende dos Estados que a acolhem e que são confrontados com imposições externas. A intervenção militar humanitária segue alguns critérios, como por exemplo a justificação (onde a acção militar se torna justificável no âmbito de emergências humanitárias extremas); autorização (imprescindível para que a intervenção possa acontecer; deliberada num quadro global, impedindo que Estados intervenham por conta própria); conduta (toda a intervenção deve seguir um comportamento rigoroso, de modo a evitar mais danos para com os inocentes e forças adversárias).

Outra questão não menos importante é o paradigma nacional de cidadania que tem vindo a encontrar desafios, como é o caso da grande pluralidade cultural étnica e até nacional que tem vindo a modificar as características mais proeminentes de determinadas sociedades.

Da cidadania surgem, frequentemente, as ideias de inclusão e exclusão dos indivíduos, principalmente nos Estados-nação. A ideia de exclusão está, claramente, relacionada com o espaço do estrangeiro, o imigrante.

Hoje em dia, tomamos como certo que a maioria da população mundial é definida como cidadã de algum Estado. Esta suposta igualdade formal já não é mais do que uma ilusão, dado que existe uma hierarquia de Estados-nação no que concerne a aspectos fulcrais como o controlo de armamento, o direito internacional e o comércio internacional.

Pensar a cidadania na modernidade implica a inclusão de dois conceitos basilares: a nacionalidade e a imigração.

A nacionalidade faz ressurgir a ideia da nação como comunidade por excelência, a qual estabelece os critérios de admissão à cidadania na modernidade, isto é, os critérios de inclusão.

Por sua vez, a imigração denuncia a existência de uma comunidade diferente, onde cabe ao Estado, enquanto detentor jurídico e cultural dos critérios fundamentais da cidadania, o critério último de exclusão da cidadania.

Há, na época moderna, outras questões que assolam os Estados, nomeadamente o fenómeno de globalização, que traz consigo a crescente diversidade entre culturas (pluralidade humana) e por conseguinte, um grande envolvimento com o capitalismo global. Veja-se por exemplo o caso português: a crescente pluralidade humana e os contributos das mudanças jurídicas e políticas nos últimos dez anos favoreceram largamente a criação de políticas de imigração e integração. O crescente número de imigrantes leva-nos a questionar a integração política de não-nacionais. Não se trata apenas de possibilitar o acesso aos direitos sociais, mas também o acesso à vida política a todos os residentes.

Relativamente à cidadania europeia, podemos questionar-nos se esta não será, de certa forma, mais uma medida de exclusão e elitista para aqueles que já são nacionalmente excluídos.

E os cidadão europeus? Sentir-se-ão, de facto, pertencentes à comunidade europeia? A impressão que parece persistir é a de que tudo isso se encontra longe da vida quotidiana, onde a Comissão Europeia é um espaço dominado por políticos nacionais mais velhos.
_______________________________
 
1 O artigo em estudo encontra-se presente no livro: Cidadania no Pensamento Político Contemporâneo, Coordenadora: Isabel Estrada Carvalhais, Editora Principia, 2007, ISBN 9789898131034.

2 Idem, ibidem, p. 9.
3 Idem, ibidem, p. 12.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Quanto mais Liberdade de Mercado, maior o Respeito pelos Direitos Humanos

O mercado livre, afirma-se, é inimigo dos direitos humanos. A verdade é que quanto mais fechado é o mercado, maior a violação dos direitos humanos. Isto pode ser provado pela teoria e pela prática.

Em teoria, se o mercado for livre e houver mais fluidez de capitais e movimento, existe mais liberdade; onde há mais liberdade, há menos espaço para violação de direitos. Se houvesse mais liberdade económica (consequentemente, de movimento), seria mais fácil os indivíduos fugirem a regimes que impõem regras. Isto é, a capacidade destes regimes para violar os direitos dos indivíduos é diminúida.

Repare-se, no entanto, que subjaz a esta teoria, duas concepções de intervenção estatal: uma que diz respeito a um estado forte no sentido de fazer cumprir a lei e outra que se refere a um estado forte no sentido de intervir em várias áreas da vida privada. Esta segunda categoria é aquela que controla o mercado.

Na prática, isto é evidente pelos países em que os mercados são controlados pelo estado e pelos que são controlados pelas leis do mercado. Países como a Coreia do Norte, a China ou alguns países africanos onde o estado tem mais poder é exactamente onde existe maior violação dos direitos humanos.

Mitos acerca do poder das multinacionais

Assistimos hoje a várias teorias da conspiração acerca do poder das empresas multinacionais no mundo. Afirma-se, por exemplo, que as empresas controlam secretamente a política; consequentemente, os indivíduos não têm qualquer relevância, apenas as empresas.

Esta teoria não tem qualquer sentido. Isto pode demonstrar-se com exemplos simples. Um exemplo é que as empresas não têm o poder de impor impostos aos cidadãos. Nenhuma empresa tem este poder de limitar a liberdade dos indivíduos. Além disso, os impostos são inimigos das empresas: quanto mais altos os impostos, menor é o lucro e o investimento. Se todos os governos têm este poder, então a pergunta que se coloca é: onde é que as empresas podem exercer esse poder secreto?

Outro exemplo é o facto das empresas serem sujeitas a controlo de qualidade. Qual seria a empresa que, se pudesse, fugiria às regras? Estas regras limitam as liberdades comerciais das empresas. Como é que se pode afirmar neste caso que as empresas têm mais poder que os governos?

Um último exemplo diz respeito a questões sociais: cada vez mais existem ideias progressistas: liberdade para consumir drogas, liberdade sexual, entre outros casos. Qual é o papel das empresas neste campo? Onde é que as empresas influenciam e qual o interesse para tal? Não vejo nenhum interesse da parte do Bill Gates em que haja liberdade para consumir drogas.

Em conclusão, este mito de que as empresas controlam o mundo é falso. Não existem dados que o demonstrem nem é teoricamente lógico que assim o seja. Isto não é afirmar que as empresas não controlariam o mundo, se isso fosse possível; mas a verdade é que não controlam.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Os interessantes apartes de Nozick

O livro "Anarquia, Estado e Utopia" de Nozick para além de advogar e argumentar solidamente que "o estado mínimo é o estado mais abrangente que se pode justificar", e que "qualquer estado mais abrangente viola os direitos das pessoas" (cf. p. 191), é um livro que está repleto de comentários, observações marginais e outras pérolas preciosas, como a seguinte:

"A propósito, o amor é um exemplo interessante de outra relação que é histórica, na medida em que (como a justiça) depende do que efectivamente aconteceu. Um adulto pode começar a amar outro por causa das suas características; mas é a outra pessoa, e não as suas características, o que é amado. O amor não é transferível para outra pessoa com as mesmas características, mesmo para alguém que «marque mais pontos» nestas características. E o amor persiste através das mudanças das características que lhe deram origem. Ama-se a pessoa particular que efectivamente se encontrou. Por que razão o amor é histórico, ligando-se desta maneira a pessoas e não a características, é uma questão interessante e intrigante" (cf. p. 212.)

:-)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Reflexão Ingénua sobre a Ciência


Eu acredito que a explicação última da natureza, assim como das suas leis, remontam à própria natureza da matéria e ao seu ordenamento lógico. Acredito que este ordenamento lógico é o resultado único das propriedades da matéria e subsequentemente da composição das partículas que a constituem. É por causa disto que acredito que a indução deve ser o método válido de descoberta de novas teorias, porque é o que permite que a ciência detecte os padrões da natureza revelados na experiência. Reconheço que os esforços de Reichenbach, Carnap e Hempel ainda não são suficientemente satisfatórios na procura de uma lógica indutiva mais cuidada, contudo, chamo a atenção que a indução (apesar das suas fragilidades) é algo que continua a funcionar, e também creio que irá funcionar perpétuamente. Além de que funciona tanto para o contexto de descoberta como de demarcação do que é e não é ciência, além de ser também na minha opinião a justificação das teorias.
Poder-se-ia objectar que o contexto de descoberta de novas teorias deveria pertencer ao domínio da psicologia, e que exemplo para isso tanto é o da descoberta do benzeno, fruto de um sonho de um cientista, ou até o princípio atómico encontrado já por Demócrito. Contudo, também observo que existem pessoas que acertam a chave do euromilhões e que a probabilidade de tal acontecer é de 1/76’275’360, creio que foi o que aconteceu nos exemplos dados anteriormente, pois sabemos que podem existir Crenças Verdadeiras sem estarem Justificadas.
Mas, acredito eu que devido às propriedades da matéria, assim como do seu ordenamento lógico, as leis da física só podem ser de uma maneira e não de outra, ou seja universais e necessárias, e o mesmo se diga para a química, ou para a biologia. É por isso que não creio que o contexto da descoberta deva estar separado do de justificação. Porque se a matéria, e as leis, são universais e necessárias, é lógico que a sua descoberta esteja associada logicamente com a sua justificação, da mesma forma que ao encontrar uma centena de pontos que descrevem uma recta poderei induzir uma equação (y = mx+b) e depois poderei reconstruir racionalmente os mesmos pontos.
Acredito também que a qualidade das induções que fazemos está dependente não só das nossas faculdades, mas também dos instrumentos que nos permitem fazer observações, e com isso ampliar tanto o nosso alcance como a precisão das nossas observações até à mínima partícula atómica.
Como poderia Galileu ter chegado às suas conclusões sem o seu telescópio? Como poderia Keppler ter feito uma boa indução ao descobrir as três leis fundamentais da mecânica celeste sem as observações de Tycho Brahe. Porque é que as ciências andam juntas, e dependem umas das outras? Porque é que avançam tanto linearmente como por saltos?
Porque para avançarem necessitam de determinados conhecimentos que permitam determinadas observações, que facilitem o encontro dos padrões da natureza e com isso o progresso científico. Por exemplo, como poderia a Física de Partículas avançar nas suas observações sem os avanços da mecânica, da computação ou da robótica? E como poderia avançar a Imagiologia Biológica sem os desenvolvimentos da Física de Partículas? Ou seja, é com o acumular de dados observacionais cada vez mais precisos que as ciências se inter ajudam, que o conhecimento se constrói de forma a produzirem se observações ainda mais rigorosas, que irão possibilitar novas descobertas, que por sua vez conduzirão a observações ainda mais precisas, que possibilitaram novas induções que nos ajudem na descoberta cada vez maior da natureza da matéria como do seu ordenamento lógico.
Por isso, o que eu pretendo é que a Ciência explique as propriedades da matéria que causam as leis e os padrões lógicos da natureza, e que isso pode ser realizado por um modelo verificacionista.

Ricardo Barroso

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Introdução ao Pensamento Crítico

A Filosofia é, acima de tudo, o exercício crítico de examinar, “peneirar”, “pesar” as nossas crenças sobre nós próprios e sobre o mundo. Neste exame e justificação, os argumentos devem ser suportados pelos padrões de raciocínio e “argumentação sólida”. Se um argumento é formalmente válido e as suas premissas são, igualmente, verdadeiras, então podemos dizer que o argumento é sólido. É preciso tomar em atenção que esta “argumentação sólida” é de todo contrária ao modo falacioso de pensar e ao “pensamento fechado”. As falácias são argumentos que parecem razoáveis e, por isso, tendem a persuadir-nos, mas na realidade são maus argumentos. O “pensamento fechado” não admite alternativas nem qualquer argumento ou prova contraditória; conduz apenas ao dogmatismo acrítico. Se ficarmos pelo fechamento do pensamento os sistemas de crenças ficam estagnados, pondo, assim, em causa o desenvolvimento e expansão dos mesmos; ou seja, os sistemas tornam-se uma prisão.
Face ao estagnado e asfixiante “pensamento fechado” temos o “aberto” e livre Pensamento Crítico, que é uma actividade pela qual procuramos avaliar as nossas crenças, de forma a determinar se os argumentos que usamos para as suportar são adequados. Do mesmo modo, é uma actividade iconoclasta, pois, ao pensarmos criticamente estamos a destruir ícones, ídolos, e falsas crenças.
Apontamos algumas definições históricas1 do Pensamento Crítico:


  • O Pensamento Crítico é o estudo activo, persistente e cuidado de uma crença ou de uma suposta forma de conhecimento através da análise dos fundamentos que a apoiam e das conclusões para que apontam. (John Dewey).

  • O Pensamento Crítico é um pensamento razoável e reflectido, preocupado em ajudar-nos a decidir em que acreditar ou o que fazer. (Robert Ennis).

  • O Pensamento Crítico é uma forma de pensamento – acerca de qualquer assunto ou problema – no qual o pensador melhora a qualidade dos seus raciocínios recorrendo a técnicas que lhe permitem captar as estruturas inerentes ao pensamento e impondo-lhes uma exigência intelectual elevada. (Richard Paul).

  • O Pensamento Crítico é uma interpretação e avaliação activa e competente de observações, comunicações, informações e argumentações. (Michael Scriven).

Constatamos que o Pensamento Crítico é importante, pois, ajuda-nos a “pesar” as nossas posições, crenças e expectativas, bem como a questionar crenças e posições que se tornaram fechadas. Assim, pensar criticamente “tem o valor prático de nos proteger de erros e influências alheias e de promover a autonomia e uma cidadania responsável”2.


Alguns instrumentos e ferramentas úteis ao Pensamento Crítico


Na actividade de Pensamento Crítico é importante adquirir algumas técnicas e instrumentos para analisarmos eficazmente as crenças e ideias de nós próprios e dos outros. Assim, é bastante útil saber como se estrutura um argumento, os indicadores de premissa e conclusão, a diagramação de argumentos, as razões (conjuntas, lado-a-lado, etc), os entimemas, o uso da lógica, a avaliação dos argumentos (verdade das premissas, probabilidade indutiva, relevância, total evidência), as falácias, entre outros…


Registo telegráfico de alguns instrumentos e ferramentas úteis ao Pensamento Crítico:

1. Argumentos3

Um argumento é uma sequência de enunciados na qual um dos enunciados é a conclusão e os demais são premissas, as quais servem para provar ou, pelo menos, fornecer alguma evidência para a conclusão. Muitos textos apresentam argumentos complexos, que são compostos por premissas básicas (ou suposições) e premissas não-básicas (ou conclusões intermediárias), para se inferir uma conclusão final.

2. Indicadores de Inferência4

Os indicadores de inferência são palavras ou frases utilizadas para assinalar a presença de um argumento. Existem dois tipos de indicadores: de conclusão e de premissa.
- Indicadores de conclusão: portanto, por conseguinte, assim, dessa maneira, neste caso, daí, logo, de modo que, então, consequentemente, assim sendo, segue-se que, o qual implica que, o qual acarreta que, o qual prova que, o qual significa que, do qual inferimos que, resulta que, podemos deduzir, que, etc.
- Indicadores de premissa: pois, desde que, como, porque, assumindo que, visto que, admitindo que, isto é verdade porque, a razão é que, em vista de, como consequência de, como mostrado pelo facto que, dado que, sabendo-se que, supondo que, etc.

3. Diagramas de Argumentos5

Os diagramas de argumentos são convenientes para representar as estruturas inferências. Os sinais “+” no diagrama significam “junto com” ou “em conjunção com”. As setas significam “é justificativa para”. Os números (enunciados) que não estão apontados por setas representam as premissas básicas. Os números que são apontados por setas e apontam outros representam as premissas não-básicas. As conclusões são os números simplesmente apontados por setas.

4. Vários tipos de argumentos6

Os argumentos podem ser de vários tipos: apresentando razões lado-a-lado, razões conjuntas, ou com raciocínio encadeado. Nas razões lado-a-lado (característica dos argumentos convergentes) cada premissa dá, por si só, algum suporte à conclusão; os enunciados funcionam como causas relativamente independentes para a conclusão. Nas razões conjuntas as premissas só suportam a conclusão se consideradas em conjunto. E no raciocínio encadeado o argumento segue um curso de acção determinado.

5. Enunciados implícitos (ou entimema)7

Um enunciado implícito ou entimema é “um argumento em que uma das premissas não é formulada explicitamente”8. Existem casos em que está claro que o autor espera que os leitores percebam os entimemas. No entanto, estes entimemas devem ser “lidos dentro de” um argumento se apenas eles completarem o pensamento do argumentador.

6. Lógica formal e lógica informal9

A lógica formal é o estudo das formas de um argumento, modelos abstractos comuns a muitos argumentos distintos. Um exemplo clássico é o Modus Ponens: ((p->q)^p)->q.
A lógica informal é o estudo de argumentos particulares em linguagem natural e do contexto no qual eles ocorrem.

7. Avaliação de argumentos: Verdade das premissas10

Se uma das premissas de um argumento for falsa, então não se pode estabelecer a veracidade da sua conclusão. É preciso analisar cuidadosamente cada premissa, procurando contra-exemplos, de modo a constatar se as premissas são realmente verdadeiras. Devemos suspender o julgamento e procurar evidências adicionais quando não soubermos se a premissa é verdadeira ou falsa.

8. Avaliação de argumentos: Validade e probabilidade indutiva11

Os argumentos podem ser classificados em duas categorias: indutivos e dedutivos, dependendo das suas conclusões seguirem ou não as premissas básicas. O argumento dedutivo é um argumento cuja conclusão deve ser verdadeira se as suas premissas básicas forem verdadeiras. O argumento indutivo é aquele cuja conclusão não é necessária, dada as suas premissas básicas. As conclusões dos argumentos indutivos são mais ou menos prováveis em relação às suas premissas. Assim, diferentemente dos argumentos dedutivos cuja probabilidade indutiva é sempre 1, os argumentos indutivos têm uma escala de probabilidades indutivas (forte ou fraca) e daí variam muito em fidedignidade.

9. Avaliação de argumentos: Relevância12

De modo intuitivo, a falta de relevância é precedida por certa particularidade ou descontinuidade na inferência das premissas para a conclusão. Onde as premissas são altamente relevantes, ao contrário, a inferência é natural e óbvia. Um bom argumento requer não somente premissas verdadeiras e probabilidade indutiva alta, mas também um alto grau de relevância.

10. Avaliação de argumentos: Exigência de total evidência13

É necessário analisar nos argumentos se existe alguma manipulação selectiva da evidência, uma selectividade que é ilegítima (falácia da evidência suprida). Os bons argumentos exigem a total evidência, proibindo assim qualquer selectividade no raciocínio indutivo. Deste modo, se um argumento é indutivo, as suas premissas precisam de conter todas as evidências conhecidas e que são relevantes para a conclusão.
As falácias de evidência suprimidas podem ser cometidas intencionalmente ou involuntariamente. Se o argumentador omite intencionalmente informações relevantes conhecidas, a falácia é uma fraude deliberada. No entanto, uma evidência suprimida não deve ser confundida com os entimemas (premissas implícitas). Os entimemas são suposições que o autor de um argumento pretende que o leitor as tome como certas. Pelo contrário, as evidências supridas são informações que o autor deliberadamente oculta ou involuntariamente omite.

11. Avaliação de argumentos: Falácias14


11.1. Falácias de relevância (“non sequitur” – não se segue).
11.1.1. Ad hominem – contra a pessoa.
11.1.1.1. Ad hominem ofensivo.
11.1.1.2. Culpa por associação / Envenenando o poço.
11.1.1.3. “Tu quoque” – você também.
11.1.1.4. Interesse revestido.
11.1.1.5. Ad hominem circunstancial.
11.1.2. Homem-de-palha - colocar o argumento do adversário menos plausível.
11.1.3. “Ad baculum” – recurso à força.
11.1.4. “Ad verecundiam” – apelo à autoridade (X diz P; logo P).
11.1.5. “Ad populum” – apelo ao povo (X diz P; logo P).
11.1.6. “Ad mesiricordiam” – apelo à piedade.
11.1.7. “Ad ignorantiam” – apelo à ignorância (não tem sido provado P; logo ~P).
11.1.8. “Ignoratio elenchi” – conclusão irrelevante.

11.2. Raciocínio circular – petição de princípio (quando um argumento assume a sua própria conclusão).
11.2.1. Petição de princípios epítetos – são frases que prejudicam a discussão e assim, de certo modo, assumem o ponto principal na questão.
11.2.2. Perguntas complexas.

11.3. Falácias semânticas – argumento tem múltiplos significados, vago…
11.3.1. Ambiguidade (equívoco) – multiplicidade de significados que muda durante o argumento.
11.3.2. Anfibologia – ambiguidade ao nível da estrutura da sentença.
11.3.3. Vaguidade – indistinção de significado, em oposição à multiplicidade de significado.
11.3.4. Ênfase – enfatizações que geram interpretações múltiplas.

11.4. Falácias indutivas – a probabilidade indutiva é baixa.
11.4.1. Generalização apressada – extrapolação falaciosa.
11.4.2. Analogia defeituosa.
11.4.3. Falácia do jogador (X não tem ocorrido recentemente; então, X provavelmente acontecerá logo).
11.4.4. Falsa causa – confundir uma causa com um efeito.
11.4.5. Evidência suprimida – ignorar evidências.

11.5. Falácias formais.
11.5.1. Negando a antecedente – ((p->q)^~p)->~q.
11.5.2 Afirmando a consequente – ((p->q)^q)->p.
11.5.3 Falácia de composição – atribuir a parte pelo todo.
11.5.4 Falácia de divisão – o todo pela parte.

11.6. Falácias de premissas falsas.
11.6.1. Falsa dicotomia.
11.6.2. Declive ardiloso.
11.6.3. Teoria do dominó.

12. Outros aspectos a analisar…

É precisos também sondar nos argumentos indícios de neutralidade ou falsa neutralidade; se o autor se debruça sobre um pensamento de ordem social ou mais de algo abstracto; se o assunto está no passado, presente ou futuro; qual é a agenda pessoal do autor; é necessário avaliar a credibilidade do argumento; o efeito Kuleshov15; o papel das emoções16; entre outros…


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Notas:


1 Cf. CARNEIRO, Tomás Magalhães – Curso de Pensamento Crítico Para Jovens - aprender a pensar. In: http://www.pensamentocritico.net/

2 KRIPPAHL, Ludwig – Manual de Pensamento Crítico.
In: http://centria.di.fct.unl.pt/~ludi/manualpc/cap1_V0.2.pdf , P. 6.

3 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Dennis – Lógica. ("Schaum McGraw-Hill.") Trad. Leila Zardo Puga e Mineko Yamashita. Säo Paulo: Makron Books/Editora McGraw-Hill, 1991, pp. 1-5.

4 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 6-7.

5 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 12-19.

6 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 20-21.

7 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 23-30.

8 BLACKBURN, Simon – “Entimema”. In: Dicionário de Filosofia. Lisboa: Gradiva, 1997,p. 130.

9 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., p. 33.

10 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 42-44.

11 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 45-59.

12 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 60-66.

13 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 66-72.

14 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 344-399.

15 O efeito Kuleshov relaciona-se com a forma como interpretamos de modo generalizador uma realidade a partir de um determinado indício ou contexto. É interessante que várias audiências em contextos ou com indícios diferentes fazem interpretações diferentes sobre a mesma realidade. No entanto, em pensamento crítico, não podemos aceitar nada apenas pelo seu valor facial. É necessário questionar repetidamente, estar consciente dos mecanismos de interpretação, e estar presente nos vários “teatros”…

16 É importante analisar e estar consciente da presença de emoções nos argumentos. Pois, a emotividade poderá enviesar o pensamento, e estragar o nosso discernimento. Do mesmo modo, é preciso ter consciência que a racionalidade humana não é uma ideia pura, matematizável, um modelo perfeito de pensamento (como conceptualizou Descartes e Kant). Por exemplo, com Leda Cosmides e John Tooby vimos que o pensamento não é insensível às emoções e a racionalidade não é neutra. Agora é preciso analisar se as emoções não estragam a exposição do argumento.