quinta-feira, 20 de maio de 2010

A Evolução Darwiniana das Culturas

Do ponto de vista Ocidental, outras culturas parecem muitas vezes serem algo de bastante exótico que tem pouco ou nada que ver com o Ocidente. A este ponto de vista subjazem duas premissas: 1) as culturas evoluem independentemente do que acontece nas outras culturas (as culturas são independentes umas das outras) e 2) a identidade de cada um é formada apenas pela cultura própria onde cada um se insere.

Ambas as premissas são falsas. Em relação à primeira premissa, as culturas evoluem consoante as oportunidades que têm. Em termos darwinianos, as culturas seleccionam, imitam e modificam as suas crenças e práticas de forma a conseguirem sobreviver. A segunda premissa é também falsa exactamente pela mesma razão: as identidades de cada um (supondo que existe uma identidade cultural) dependem da sobrevivência que cada um tem de enfrentar. Os homens agem de acordo com o seu próprio interesse que é, primariamente, sobreviver. Consequentemente, a identidade que se forma será uma melange de diferentes culturas.

Em conclusão, as culturas, pelo menos hoje, não são radicalmente diferentes porque o comportamento dos indivíduos é adaptativo. Ainda que algumas práticas e crenças pareçam ser radicais, os motivos que subjazem são muitas vezes semelhantes. Para dar um exemplo, na Nigéria estudos demonstraram que a razão pela qual se exercia mutilação genital feminina era porque quem não o fizesse tinha menos probabilidade de casar; quantos comportamentos semelhantes a este se podem encontrar no Ocidente?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Monarquia ou República?

Existe algum debate sobre qual dos regimes é melhor - monarquia ou república. Eu penso que é indiferente, se o regime não for presidencial. É indiferente porque seja um Presidente ou um Rei as decisões têm de respeitar a constituição ou a lei. Isto é, ambos têm de se seguir pelas regras do jogo e não podem sair fora delas. Além disso, em termos de funcionalidade, não se pode afirmar que as monarquias funcionem pior que as repúblicas. Há, aliás, países para todos os gostos - Dinamarca, Reino Unido, Espanha, Noruega.

Pode haver o argumento de que há um significado simbólico contra a opressão ao aceitarmos a República e não a Monarquia. No entanto, países como a Espanha, devido a contextos históricos, onde o Rei é visto como o oposto de um regime opressivo este argumento não funciona.

Pensar a cidadania, hoje.



Pensar a cidadania, hoje.1
A questão da cidadania surge-nos desde a Grécia Antiga, onde apenas os homens livres teriam acesso, sendo, por isso, considerados como cidadãos de plenos direitos, podendo exercer cargos políticos. Todavia, esta definição, tal como se apresentava, excluía elementos importantes da vida quotidiana. Tais elementos eram parte integrante e indispensável para o bom funcionamento da sociedade, a saber: as mulheres, os estrangeiros e os escravos.

Com o decorrer dos tempos a escravatura desaparecera, e só mais tarde a mulher viria a ser considerada como cidadã, ainda que, por vezes, com algumas reservas. Contudo, há ainda um elemento não menos importante na vida das comunidades, os estrangeiros.

Tendo em conta estes aspectos, afigura-se-me pertinente, pensar a cidadania no contexto actual. Para iniciar esta linha de pensamento, poderia colocar várias questões, desde: o que é, de facto, a cidadania? Que critérios empregamos para atribuir a cidadania? Quem é o cidadão pós-moderno e o que o distingue do cidadão tradicional?

Como lida o Estado com este novo cidadão que assume a hibridez da sua identidade, que reivindica o seu direito à diferença e às suas múltiplas lealdades, das quais a lealdade ao Estado é apenas mais uma?2


Poderíamos considerar a cidadania enquanto forma de concretização da ideia de comunidade bem estruturada levada à perfectibilidade, com capacidade de gerir a vontade colectiva. Daqui surge uma nova configuração e compreensão da vida pública que, tendo como base o Estado, não menospreza a vida privada.

Porém, o Estado, mesmo aquele que se proclama liberal, tem vindo a evidenciar-se na vida do cidadão. Deste modo, o indivíduo não conseguirá usufruir plenamente da sua cidadania. Assim, parece ser inevitável uma transformação da cultura política para que, desta forma, seja possível responder a questões tão prementes como a integração social, a solidariedade e a contenção do Estado. É por meio desta mudança que o cidadão se reencontra com a esfera pública, podendo, então, participar activamente enquanto legislador e detentor de direitos.

A identidade da cidadania decorre da relação entre cidadania e nacionalidade na era moderna. Tal relação surge enquanto espaço legal de direitos, dependente do Estado-nação para a concretização dos mesmos (incluindo os direitos humanos).

Na era moderna, a humanidade revela-se através da acção legal, garantida pelo Estado-nação. Contudo, e como se pôde ver ao longo da História, sempre existiram apátridas, perseguidos, refugiados. Indivíduos que não foram acolhidos por Estado algum, vendo assim negado o acesso aos seus direitos: negação da humanidade fora dos limites do Estado.3

De facto, é o Estado, enquanto soberano, que domina a cidadania, a paz ou a guerra. Mas, será possível pensar uma cidadania fora do domínio de qualquer Estado, onde haja respeito, protecção e efectivação dos direitos humanos? Podemos pensar propostas para uma ética à escala planetária, onde se faça um apelo à aceitação do outro, superando as diferenças culturais; garantindo a protecção jurídica dos direitos humanos.

Todavia, as propostas para uma solidariedade de acção global têm vindo a ser subvertidas. Veja-se, por exemplo, nos casos de intervenção humanitária, a qual depende dos Estados que a acolhem e que são confrontados com imposições externas. A intervenção militar humanitária segue alguns critérios, como por exemplo a justificação (onde a acção militar se torna justificável no âmbito de emergências humanitárias extremas); autorização (imprescindível para que a intervenção possa acontecer; deliberada num quadro global, impedindo que Estados intervenham por conta própria); conduta (toda a intervenção deve seguir um comportamento rigoroso, de modo a evitar mais danos para com os inocentes e forças adversárias).

Outra questão não menos importante é o paradigma nacional de cidadania que tem vindo a encontrar desafios, como é o caso da grande pluralidade cultural étnica e até nacional que tem vindo a modificar as características mais proeminentes de determinadas sociedades.

Da cidadania surgem, frequentemente, as ideias de inclusão e exclusão dos indivíduos, principalmente nos Estados-nação. A ideia de exclusão está, claramente, relacionada com o espaço do estrangeiro, o imigrante.

Hoje em dia, tomamos como certo que a maioria da população mundial é definida como cidadã de algum Estado. Esta suposta igualdade formal já não é mais do que uma ilusão, dado que existe uma hierarquia de Estados-nação no que concerne a aspectos fulcrais como o controlo de armamento, o direito internacional e o comércio internacional.

Pensar a cidadania na modernidade implica a inclusão de dois conceitos basilares: a nacionalidade e a imigração.

A nacionalidade faz ressurgir a ideia da nação como comunidade por excelência, a qual estabelece os critérios de admissão à cidadania na modernidade, isto é, os critérios de inclusão.

Por sua vez, a imigração denuncia a existência de uma comunidade diferente, onde cabe ao Estado, enquanto detentor jurídico e cultural dos critérios fundamentais da cidadania, o critério último de exclusão da cidadania.

Há, na época moderna, outras questões que assolam os Estados, nomeadamente o fenómeno de globalização, que traz consigo a crescente diversidade entre culturas (pluralidade humana) e por conseguinte, um grande envolvimento com o capitalismo global. Veja-se por exemplo o caso português: a crescente pluralidade humana e os contributos das mudanças jurídicas e políticas nos últimos dez anos favoreceram largamente a criação de políticas de imigração e integração. O crescente número de imigrantes leva-nos a questionar a integração política de não-nacionais. Não se trata apenas de possibilitar o acesso aos direitos sociais, mas também o acesso à vida política a todos os residentes.

Relativamente à cidadania europeia, podemos questionar-nos se esta não será, de certa forma, mais uma medida de exclusão e elitista para aqueles que já são nacionalmente excluídos.

E os cidadão europeus? Sentir-se-ão, de facto, pertencentes à comunidade europeia? A impressão que parece persistir é a de que tudo isso se encontra longe da vida quotidiana, onde a Comissão Europeia é um espaço dominado por políticos nacionais mais velhos.
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1 O artigo em estudo encontra-se presente no livro: Cidadania no Pensamento Político Contemporâneo, Coordenadora: Isabel Estrada Carvalhais, Editora Principia, 2007, ISBN 9789898131034.

2 Idem, ibidem, p. 9.
3 Idem, ibidem, p. 12.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Quanto mais Liberdade de Mercado, maior o Respeito pelos Direitos Humanos

O mercado livre, afirma-se, é inimigo dos direitos humanos. A verdade é que quanto mais fechado é o mercado, maior a violação dos direitos humanos. Isto pode ser provado pela teoria e pela prática.

Em teoria, se o mercado for livre e houver mais fluidez de capitais e movimento, existe mais liberdade; onde há mais liberdade, há menos espaço para violação de direitos. Se houvesse mais liberdade económica (consequentemente, de movimento), seria mais fácil os indivíduos fugirem a regimes que impõem regras. Isto é, a capacidade destes regimes para violar os direitos dos indivíduos é diminúida.

Repare-se, no entanto, que subjaz a esta teoria, duas concepções de intervenção estatal: uma que diz respeito a um estado forte no sentido de fazer cumprir a lei e outra que se refere a um estado forte no sentido de intervir em várias áreas da vida privada. Esta segunda categoria é aquela que controla o mercado.

Na prática, isto é evidente pelos países em que os mercados são controlados pelo estado e pelos que são controlados pelas leis do mercado. Países como a Coreia do Norte, a China ou alguns países africanos onde o estado tem mais poder é exactamente onde existe maior violação dos direitos humanos.

Mitos acerca do poder das multinacionais

Assistimos hoje a várias teorias da conspiração acerca do poder das empresas multinacionais no mundo. Afirma-se, por exemplo, que as empresas controlam secretamente a política; consequentemente, os indivíduos não têm qualquer relevância, apenas as empresas.

Esta teoria não tem qualquer sentido. Isto pode demonstrar-se com exemplos simples. Um exemplo é que as empresas não têm o poder de impor impostos aos cidadãos. Nenhuma empresa tem este poder de limitar a liberdade dos indivíduos. Além disso, os impostos são inimigos das empresas: quanto mais altos os impostos, menor é o lucro e o investimento. Se todos os governos têm este poder, então a pergunta que se coloca é: onde é que as empresas podem exercer esse poder secreto?

Outro exemplo é o facto das empresas serem sujeitas a controlo de qualidade. Qual seria a empresa que, se pudesse, fugiria às regras? Estas regras limitam as liberdades comerciais das empresas. Como é que se pode afirmar neste caso que as empresas têm mais poder que os governos?

Um último exemplo diz respeito a questões sociais: cada vez mais existem ideias progressistas: liberdade para consumir drogas, liberdade sexual, entre outros casos. Qual é o papel das empresas neste campo? Onde é que as empresas influenciam e qual o interesse para tal? Não vejo nenhum interesse da parte do Bill Gates em que haja liberdade para consumir drogas.

Em conclusão, este mito de que as empresas controlam o mundo é falso. Não existem dados que o demonstrem nem é teoricamente lógico que assim o seja. Isto não é afirmar que as empresas não controlariam o mundo, se isso fosse possível; mas a verdade é que não controlam.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Os interessantes apartes de Nozick

O livro "Anarquia, Estado e Utopia" de Nozick para além de advogar e argumentar solidamente que "o estado mínimo é o estado mais abrangente que se pode justificar", e que "qualquer estado mais abrangente viola os direitos das pessoas" (cf. p. 191), é um livro que está repleto de comentários, observações marginais e outras pérolas preciosas, como a seguinte:

"A propósito, o amor é um exemplo interessante de outra relação que é histórica, na medida em que (como a justiça) depende do que efectivamente aconteceu. Um adulto pode começar a amar outro por causa das suas características; mas é a outra pessoa, e não as suas características, o que é amado. O amor não é transferível para outra pessoa com as mesmas características, mesmo para alguém que «marque mais pontos» nestas características. E o amor persiste através das mudanças das características que lhe deram origem. Ama-se a pessoa particular que efectivamente se encontrou. Por que razão o amor é histórico, ligando-se desta maneira a pessoas e não a características, é uma questão interessante e intrigante" (cf. p. 212.)

:-)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Reflexão Ingénua sobre a Ciência


Eu acredito que a explicação última da natureza, assim como das suas leis, remontam à própria natureza da matéria e ao seu ordenamento lógico. Acredito que este ordenamento lógico é o resultado único das propriedades da matéria e subsequentemente da composição das partículas que a constituem. É por causa disto que acredito que a indução deve ser o método válido de descoberta de novas teorias, porque é o que permite que a ciência detecte os padrões da natureza revelados na experiência. Reconheço que os esforços de Reichenbach, Carnap e Hempel ainda não são suficientemente satisfatórios na procura de uma lógica indutiva mais cuidada, contudo, chamo a atenção que a indução (apesar das suas fragilidades) é algo que continua a funcionar, e também creio que irá funcionar perpétuamente. Além de que funciona tanto para o contexto de descoberta como de demarcação do que é e não é ciência, além de ser também na minha opinião a justificação das teorias.
Poder-se-ia objectar que o contexto de descoberta de novas teorias deveria pertencer ao domínio da psicologia, e que exemplo para isso tanto é o da descoberta do benzeno, fruto de um sonho de um cientista, ou até o princípio atómico encontrado já por Demócrito. Contudo, também observo que existem pessoas que acertam a chave do euromilhões e que a probabilidade de tal acontecer é de 1/76’275’360, creio que foi o que aconteceu nos exemplos dados anteriormente, pois sabemos que podem existir Crenças Verdadeiras sem estarem Justificadas.
Mas, acredito eu que devido às propriedades da matéria, assim como do seu ordenamento lógico, as leis da física só podem ser de uma maneira e não de outra, ou seja universais e necessárias, e o mesmo se diga para a química, ou para a biologia. É por isso que não creio que o contexto da descoberta deva estar separado do de justificação. Porque se a matéria, e as leis, são universais e necessárias, é lógico que a sua descoberta esteja associada logicamente com a sua justificação, da mesma forma que ao encontrar uma centena de pontos que descrevem uma recta poderei induzir uma equação (y = mx+b) e depois poderei reconstruir racionalmente os mesmos pontos.
Acredito também que a qualidade das induções que fazemos está dependente não só das nossas faculdades, mas também dos instrumentos que nos permitem fazer observações, e com isso ampliar tanto o nosso alcance como a precisão das nossas observações até à mínima partícula atómica.
Como poderia Galileu ter chegado às suas conclusões sem o seu telescópio? Como poderia Keppler ter feito uma boa indução ao descobrir as três leis fundamentais da mecânica celeste sem as observações de Tycho Brahe. Porque é que as ciências andam juntas, e dependem umas das outras? Porque é que avançam tanto linearmente como por saltos?
Porque para avançarem necessitam de determinados conhecimentos que permitam determinadas observações, que facilitem o encontro dos padrões da natureza e com isso o progresso científico. Por exemplo, como poderia a Física de Partículas avançar nas suas observações sem os avanços da mecânica, da computação ou da robótica? E como poderia avançar a Imagiologia Biológica sem os desenvolvimentos da Física de Partículas? Ou seja, é com o acumular de dados observacionais cada vez mais precisos que as ciências se inter ajudam, que o conhecimento se constrói de forma a produzirem se observações ainda mais rigorosas, que irão possibilitar novas descobertas, que por sua vez conduzirão a observações ainda mais precisas, que possibilitaram novas induções que nos ajudem na descoberta cada vez maior da natureza da matéria como do seu ordenamento lógico.
Por isso, o que eu pretendo é que a Ciência explique as propriedades da matéria que causam as leis e os padrões lógicos da natureza, e que isso pode ser realizado por um modelo verificacionista.

Ricardo Barroso