sábado, 19 de junho de 2010

A Religião na Filosofia de Wittgenstein - Parte 1: Tractatus (1922)

Este tema será dividido, mas ainda não definido, em algumas partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à, mas ainda não definido, alguns Filósofos da Religião influenciados por Wittgenstein, com mais algumas notas sobre o impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.

Questão fundamental: Qual é a relação entre pensamento e realidade? Para Wittgenstein, o pensamento só tem sentido se chegar ao mundo. Isso só é possível se as proposições e os factos partilharem da mesma forma lógica.

Teoria Pictórica da Representação – procura uma solução definitiva para o problema da relação entre linguagem e
realidade; as proposições têm sentido se se referirem a factos susceptíveis de serem representados [descritos]; âmbito do que se pode dizer [as proposições com sentido são aquelas que pertencem às ciências exactas e naturais].

Âmbito do sem-sentido – a proposição sem sentido (unsinning) constitui uma afirmação que não se refere a um facto do mundo: (i) tudo aquilo cuja veracidade não pode ser determinada; e (ii) tudo o que superabundantemente seria verdadeiro, sem se explicar nem demonstrar [esfera do religioso].


Conclusão: não se pode falar de valores, porque os valores ou não têm valor de verdade ou são verdadeiros sem justificação » pertencem à esfera do Silêncio [âmbito daquilo que não se pode dizer, apenas se mostra].


1) O Valioso – não se diz, mostra-se: “o valor não é um facto”, não se descreve. A ética, a estética e a religião situam-se na esfera do valioso. Para Wittgenstein, o valor não é compreendido no sentido ético, nem estético, clássico; o que tem valor é o não contingente, o que não pode ser pensado de maneira diferente do que é; Wittgenstein refere-se a valores absolutos, não sujeitos a transformação [não se pode dizer porque nunca poderemos pensar que tal valor fosse de outra maneira].
Nota: diferença entre ética e estética: a ética é menos subjectiva.


2) O Místico – O valioso é o místico: (i) não é como as coisas são; (ii) mas que as coisas são [não se justifica, nem se explica, aquilo que é]; (iii) sentir o mundo limitado como um todo; o místico não se diz, mostra-se. Dentro do místico, o valioso surge como três reacções descritas: (i) estética; (ii) ética; (iii) religiosa.
Consequência: “existe o inexpressável” [Wittgenstein difere da filosofia dos neo-positivas].

3) A Religião – pertence à esfera do silêncio; não é um conhecimento; trata-se de um sentimento, de uma visão do mundo como totalidade (Weltanschaung); uma reacção (um comportamento que se mostra e não se diz); as reacções ligam-se aos limites da linguagem [não se dizem, nem se expressam em proposições]; admiramo-nos, não pelos factos, mas pelo que está acima deles, pelo que possibilita tais factos [o Absoluto]. Como se chega ao Absoluto? – (i) não por dedução (por exemplo, existe o relativo e este necessita do absoluto para existir); (ii) para Wittgenstein, nos factos mostra-se que algo é o fundo das coisas, algo que não se descreve, não se justifica, não se diz: “a proposição mostra o seu sentido”, na linguagem sobre o mundo mostra-se o que a transcende (T, 4022). Importância da vontade – só podemos chegar ao Absoluto pela vontade, não pelo pensamento (influência de Schopenhauer: essência do mundo está para além da representação).
. Consequências: (i) não há crenças religiosas, porque não há conteúdo empírico nas proposições dos vários credos; (ii) as críticas de Russell, Black e Ramsey a Wittgenstein situam-se no nível lógico-linguístico; no entanto, a postura de Wittgenstein procura medir a vontade e o mundo como uma totalidade [nesse encontro aparece o valioso].


4) «Deus» – a religião situa-se dentro do que não se pode dizer; distingue-se da estética e da ética pelo seu valor ser inteiramente pessoal; não se transmite/ ou expressa pela linguagem; apenas se podem utilizar metáforas [dado que se está a ultrapassar os limites próprios da linguagem].
O termo “Deus” aparece, sobretudo, nos Diários, com sentidos distintos: (i) refere-se à vida espiritual em geral; (ii) ao nosso eu mais profundo; (iii) ao mundo como totalidade. Quando Wittgenstein se quer expressar religiosamente usa a palavra “Deus”; enquanto o termo “religião” utiliza para se referir a uma religião positiva concreta.

Deus = Sentido da Vida = Sentido do Mundo

sentido da vida não é o sentido das proposições das ciências naturais, confirmadas ou refutadas pelos factos. Trata-se de um Sentido total fora da linguagem, pertencente ao âmbito da Vontade. Deus refere-se à existência enquanto tal » está ligado à vida/ praxis.

5) Religião e Teologia – consequências da Filosofia de Wittgenstein I:

(i) a Lógica é uma entidade transcendental – apenas se mostra (não se diz) na medida em que é condição de possibilidade da representação (descrição dos factos), da linguagem e dos factos do mundo;
(ii) a Religião é entidade transcendental – Mostra-se através da vontade humana, mostra-se vivendo, sentindo, tendo uma perspectiva da religião desde dentro (ao contrário da Lógica). É condição de possibilidade do experienciar a vida como um todo.
(iii) a Religião não é uma crença – a crença comporta conteúdo proposicional (que pode ser verdadeiro ou falso dependentemente dos factos em causa).
(iv) Religião é incompatível com a Teologia.
(v) o místico não se identifica com nada de concreto – corresponde à vivência pessoal.
Confronto entre o Místico e o Teólogo


Místico Teólogo
Heterodoxo Ortodoxo
Relaciona-se com Deus da Religião (o importante é o inefável) Fala do Deus dos Filósofos (importante é compreender)
Teologia negativa Teologia positiva

Nota: Wittgenstein I não se interessa pela Filosofia da Religião, apenas pela Teologia negativa (mais próximo dos místicos). Influência da Teologia Judia de Rosenzweig no Tratatus: o sujeito situa-se fora do mundo e encontra-se com Deus directa e individualmente; trata-se de um Deus sempre ausente [vela-se o inefável], que não se pode nomear, um Deus que sustenta o mundo mas não se revela concretamente nele.

Conclusões: (i) a primeira filosofia de Wittgenstein, não suporta a Filosofia da Religião; (ii) pode ser aproveitada pelo religioso e pelo sagrado no sentido da valorização mística; (iii) teologicamente só ajuda o sagrado a partir de uma Teologia negativa que, em lugar de definir Deus e seus atributos, remete-se ao silêncio ou à negação. Então, a ciência não pode refutar o religioso, pois nesse caso criaria proposições sem sentido; Deus não pode ser nomeado, mas pode ser vivido, experienciado, pessoalmente por cada ser humano; não se justifica a Religião pela racionalização e sistematização teológica dos dogmas, mas por uma praxis concreta.
________________________________

Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

Sem comentários:

Enviar um comentário