segunda-feira, 26 de abril de 2010

Introdução ao Pensamento Crítico

A Filosofia é, acima de tudo, o exercício crítico de examinar, “peneirar”, “pesar” as nossas crenças sobre nós próprios e sobre o mundo. Neste exame e justificação, os argumentos devem ser suportados pelos padrões de raciocínio e “argumentação sólida”. Se um argumento é formalmente válido e as suas premissas são, igualmente, verdadeiras, então podemos dizer que o argumento é sólido. É preciso tomar em atenção que esta “argumentação sólida” é de todo contrária ao modo falacioso de pensar e ao “pensamento fechado”. As falácias são argumentos que parecem razoáveis e, por isso, tendem a persuadir-nos, mas na realidade são maus argumentos. O “pensamento fechado” não admite alternativas nem qualquer argumento ou prova contraditória; conduz apenas ao dogmatismo acrítico. Se ficarmos pelo fechamento do pensamento os sistemas de crenças ficam estagnados, pondo, assim, em causa o desenvolvimento e expansão dos mesmos; ou seja, os sistemas tornam-se uma prisão.
Face ao estagnado e asfixiante “pensamento fechado” temos o “aberto” e livre Pensamento Crítico, que é uma actividade pela qual procuramos avaliar as nossas crenças, de forma a determinar se os argumentos que usamos para as suportar são adequados. Do mesmo modo, é uma actividade iconoclasta, pois, ao pensarmos criticamente estamos a destruir ícones, ídolos, e falsas crenças.
Apontamos algumas definições históricas1 do Pensamento Crítico:


  • O Pensamento Crítico é o estudo activo, persistente e cuidado de uma crença ou de uma suposta forma de conhecimento através da análise dos fundamentos que a apoiam e das conclusões para que apontam. (John Dewey).

  • O Pensamento Crítico é um pensamento razoável e reflectido, preocupado em ajudar-nos a decidir em que acreditar ou o que fazer. (Robert Ennis).

  • O Pensamento Crítico é uma forma de pensamento – acerca de qualquer assunto ou problema – no qual o pensador melhora a qualidade dos seus raciocínios recorrendo a técnicas que lhe permitem captar as estruturas inerentes ao pensamento e impondo-lhes uma exigência intelectual elevada. (Richard Paul).

  • O Pensamento Crítico é uma interpretação e avaliação activa e competente de observações, comunicações, informações e argumentações. (Michael Scriven).

Constatamos que o Pensamento Crítico é importante, pois, ajuda-nos a “pesar” as nossas posições, crenças e expectativas, bem como a questionar crenças e posições que se tornaram fechadas. Assim, pensar criticamente “tem o valor prático de nos proteger de erros e influências alheias e de promover a autonomia e uma cidadania responsável”2.


Alguns instrumentos e ferramentas úteis ao Pensamento Crítico


Na actividade de Pensamento Crítico é importante adquirir algumas técnicas e instrumentos para analisarmos eficazmente as crenças e ideias de nós próprios e dos outros. Assim, é bastante útil saber como se estrutura um argumento, os indicadores de premissa e conclusão, a diagramação de argumentos, as razões (conjuntas, lado-a-lado, etc), os entimemas, o uso da lógica, a avaliação dos argumentos (verdade das premissas, probabilidade indutiva, relevância, total evidência), as falácias, entre outros…


Registo telegráfico de alguns instrumentos e ferramentas úteis ao Pensamento Crítico:

1. Argumentos3

Um argumento é uma sequência de enunciados na qual um dos enunciados é a conclusão e os demais são premissas, as quais servem para provar ou, pelo menos, fornecer alguma evidência para a conclusão. Muitos textos apresentam argumentos complexos, que são compostos por premissas básicas (ou suposições) e premissas não-básicas (ou conclusões intermediárias), para se inferir uma conclusão final.

2. Indicadores de Inferência4

Os indicadores de inferência são palavras ou frases utilizadas para assinalar a presença de um argumento. Existem dois tipos de indicadores: de conclusão e de premissa.
- Indicadores de conclusão: portanto, por conseguinte, assim, dessa maneira, neste caso, daí, logo, de modo que, então, consequentemente, assim sendo, segue-se que, o qual implica que, o qual acarreta que, o qual prova que, o qual significa que, do qual inferimos que, resulta que, podemos deduzir, que, etc.
- Indicadores de premissa: pois, desde que, como, porque, assumindo que, visto que, admitindo que, isto é verdade porque, a razão é que, em vista de, como consequência de, como mostrado pelo facto que, dado que, sabendo-se que, supondo que, etc.

3. Diagramas de Argumentos5

Os diagramas de argumentos são convenientes para representar as estruturas inferências. Os sinais “+” no diagrama significam “junto com” ou “em conjunção com”. As setas significam “é justificativa para”. Os números (enunciados) que não estão apontados por setas representam as premissas básicas. Os números que são apontados por setas e apontam outros representam as premissas não-básicas. As conclusões são os números simplesmente apontados por setas.

4. Vários tipos de argumentos6

Os argumentos podem ser de vários tipos: apresentando razões lado-a-lado, razões conjuntas, ou com raciocínio encadeado. Nas razões lado-a-lado (característica dos argumentos convergentes) cada premissa dá, por si só, algum suporte à conclusão; os enunciados funcionam como causas relativamente independentes para a conclusão. Nas razões conjuntas as premissas só suportam a conclusão se consideradas em conjunto. E no raciocínio encadeado o argumento segue um curso de acção determinado.

5. Enunciados implícitos (ou entimema)7

Um enunciado implícito ou entimema é “um argumento em que uma das premissas não é formulada explicitamente”8. Existem casos em que está claro que o autor espera que os leitores percebam os entimemas. No entanto, estes entimemas devem ser “lidos dentro de” um argumento se apenas eles completarem o pensamento do argumentador.

6. Lógica formal e lógica informal9

A lógica formal é o estudo das formas de um argumento, modelos abstractos comuns a muitos argumentos distintos. Um exemplo clássico é o Modus Ponens: ((p->q)^p)->q.
A lógica informal é o estudo de argumentos particulares em linguagem natural e do contexto no qual eles ocorrem.

7. Avaliação de argumentos: Verdade das premissas10

Se uma das premissas de um argumento for falsa, então não se pode estabelecer a veracidade da sua conclusão. É preciso analisar cuidadosamente cada premissa, procurando contra-exemplos, de modo a constatar se as premissas são realmente verdadeiras. Devemos suspender o julgamento e procurar evidências adicionais quando não soubermos se a premissa é verdadeira ou falsa.

8. Avaliação de argumentos: Validade e probabilidade indutiva11

Os argumentos podem ser classificados em duas categorias: indutivos e dedutivos, dependendo das suas conclusões seguirem ou não as premissas básicas. O argumento dedutivo é um argumento cuja conclusão deve ser verdadeira se as suas premissas básicas forem verdadeiras. O argumento indutivo é aquele cuja conclusão não é necessária, dada as suas premissas básicas. As conclusões dos argumentos indutivos são mais ou menos prováveis em relação às suas premissas. Assim, diferentemente dos argumentos dedutivos cuja probabilidade indutiva é sempre 1, os argumentos indutivos têm uma escala de probabilidades indutivas (forte ou fraca) e daí variam muito em fidedignidade.

9. Avaliação de argumentos: Relevância12

De modo intuitivo, a falta de relevância é precedida por certa particularidade ou descontinuidade na inferência das premissas para a conclusão. Onde as premissas são altamente relevantes, ao contrário, a inferência é natural e óbvia. Um bom argumento requer não somente premissas verdadeiras e probabilidade indutiva alta, mas também um alto grau de relevância.

10. Avaliação de argumentos: Exigência de total evidência13

É necessário analisar nos argumentos se existe alguma manipulação selectiva da evidência, uma selectividade que é ilegítima (falácia da evidência suprida). Os bons argumentos exigem a total evidência, proibindo assim qualquer selectividade no raciocínio indutivo. Deste modo, se um argumento é indutivo, as suas premissas precisam de conter todas as evidências conhecidas e que são relevantes para a conclusão.
As falácias de evidência suprimidas podem ser cometidas intencionalmente ou involuntariamente. Se o argumentador omite intencionalmente informações relevantes conhecidas, a falácia é uma fraude deliberada. No entanto, uma evidência suprimida não deve ser confundida com os entimemas (premissas implícitas). Os entimemas são suposições que o autor de um argumento pretende que o leitor as tome como certas. Pelo contrário, as evidências supridas são informações que o autor deliberadamente oculta ou involuntariamente omite.

11. Avaliação de argumentos: Falácias14


11.1. Falácias de relevância (“non sequitur” – não se segue).
11.1.1. Ad hominem – contra a pessoa.
11.1.1.1. Ad hominem ofensivo.
11.1.1.2. Culpa por associação / Envenenando o poço.
11.1.1.3. “Tu quoque” – você também.
11.1.1.4. Interesse revestido.
11.1.1.5. Ad hominem circunstancial.
11.1.2. Homem-de-palha - colocar o argumento do adversário menos plausível.
11.1.3. “Ad baculum” – recurso à força.
11.1.4. “Ad verecundiam” – apelo à autoridade (X diz P; logo P).
11.1.5. “Ad populum” – apelo ao povo (X diz P; logo P).
11.1.6. “Ad mesiricordiam” – apelo à piedade.
11.1.7. “Ad ignorantiam” – apelo à ignorância (não tem sido provado P; logo ~P).
11.1.8. “Ignoratio elenchi” – conclusão irrelevante.

11.2. Raciocínio circular – petição de princípio (quando um argumento assume a sua própria conclusão).
11.2.1. Petição de princípios epítetos – são frases que prejudicam a discussão e assim, de certo modo, assumem o ponto principal na questão.
11.2.2. Perguntas complexas.

11.3. Falácias semânticas – argumento tem múltiplos significados, vago…
11.3.1. Ambiguidade (equívoco) – multiplicidade de significados que muda durante o argumento.
11.3.2. Anfibologia – ambiguidade ao nível da estrutura da sentença.
11.3.3. Vaguidade – indistinção de significado, em oposição à multiplicidade de significado.
11.3.4. Ênfase – enfatizações que geram interpretações múltiplas.

11.4. Falácias indutivas – a probabilidade indutiva é baixa.
11.4.1. Generalização apressada – extrapolação falaciosa.
11.4.2. Analogia defeituosa.
11.4.3. Falácia do jogador (X não tem ocorrido recentemente; então, X provavelmente acontecerá logo).
11.4.4. Falsa causa – confundir uma causa com um efeito.
11.4.5. Evidência suprimida – ignorar evidências.

11.5. Falácias formais.
11.5.1. Negando a antecedente – ((p->q)^~p)->~q.
11.5.2 Afirmando a consequente – ((p->q)^q)->p.
11.5.3 Falácia de composição – atribuir a parte pelo todo.
11.5.4 Falácia de divisão – o todo pela parte.

11.6. Falácias de premissas falsas.
11.6.1. Falsa dicotomia.
11.6.2. Declive ardiloso.
11.6.3. Teoria do dominó.

12. Outros aspectos a analisar…

É precisos também sondar nos argumentos indícios de neutralidade ou falsa neutralidade; se o autor se debruça sobre um pensamento de ordem social ou mais de algo abstracto; se o assunto está no passado, presente ou futuro; qual é a agenda pessoal do autor; é necessário avaliar a credibilidade do argumento; o efeito Kuleshov15; o papel das emoções16; entre outros…


---------------------------------------------
Notas:


1 Cf. CARNEIRO, Tomás Magalhães – Curso de Pensamento Crítico Para Jovens - aprender a pensar. In: http://www.pensamentocritico.net/

2 KRIPPAHL, Ludwig – Manual de Pensamento Crítico.
In: http://centria.di.fct.unl.pt/~ludi/manualpc/cap1_V0.2.pdf , P. 6.

3 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Dennis – Lógica. ("Schaum McGraw-Hill.") Trad. Leila Zardo Puga e Mineko Yamashita. Säo Paulo: Makron Books/Editora McGraw-Hill, 1991, pp. 1-5.

4 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 6-7.

5 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 12-19.

6 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 20-21.

7 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 23-30.

8 BLACKBURN, Simon – “Entimema”. In: Dicionário de Filosofia. Lisboa: Gradiva, 1997,p. 130.

9 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., p. 33.

10 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 42-44.

11 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 45-59.

12 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 60-66.

13 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 66-72.

14 Cf. NOLT, John, e ROHATYN, Op. Cit., pp. 344-399.

15 O efeito Kuleshov relaciona-se com a forma como interpretamos de modo generalizador uma realidade a partir de um determinado indício ou contexto. É interessante que várias audiências em contextos ou com indícios diferentes fazem interpretações diferentes sobre a mesma realidade. No entanto, em pensamento crítico, não podemos aceitar nada apenas pelo seu valor facial. É necessário questionar repetidamente, estar consciente dos mecanismos de interpretação, e estar presente nos vários “teatros”…

16 É importante analisar e estar consciente da presença de emoções nos argumentos. Pois, a emotividade poderá enviesar o pensamento, e estragar o nosso discernimento. Do mesmo modo, é preciso ter consciência que a racionalidade humana não é uma ideia pura, matematizável, um modelo perfeito de pensamento (como conceptualizou Descartes e Kant). Por exemplo, com Leda Cosmides e John Tooby vimos que o pensamento não é insensível às emoções e a racionalidade não é neutra. Agora é preciso analisar se as emoções não estragam a exposição do argumento.

Sem comentários:

Enviar um comentário