É tradição, em alguns grupos muçulmanos, mutilar os genitais femininos. Países Ocidentais têm sido confrontados com situações deste género e não sabem como hão-de reagir. Isto porque há três questões em jogo. Primeiro, trata-se de uma medida etnocêntrica proibir esta prática? Segundo, caso seja etnocêntrica, pode ainda haver outro argumento para proibir a prática? Terceiro, se não houver outro argumento para proibir totalmente a prática, pode então, proibir-se parcialmente?
Proibir a mutilação do clítoris é, de facto, uma medida etnocêntrica. Para compreender isto basta aludir a dois exemplos de práticas semelhantes que são aceites nas sociedades contemporâneas: cirurgia estética vaginal e piercing no clítoris. A primeira é aceite por razões estéticas, nomeadamente algumas mulheres desenvolvem uma ansiedade extrema devido ao seu aspecto; a segunda é igualmente por razões estéticas mas não como resultado de ansiedade mas apenas por gosto. Sendo estas as razões, parecem até bastante pobres se comparadas com as razões dadas para a tradição muçulmana (razões espirituais e religiosas). Normalmente, razões desta espécie são muito mais respeitadas do que meras razões estéticas.
Pode dizer-se que a diferença é que os casos ocidentais são voluntários e o muçulmano involuntário. Existe alguma verdade neste ponto, mas há dois comentários a fazer. O facto de um ser voluntário e o outro involuntário não tem implicações no problema em debate: se por princípio se deve proibir a mutilação genital feminina. O que é relevante neste debate é se se pode por princípio proibir esta prática. Outro comentário a fazer é que surpreendentemente há bastantes mulheres muçulmanas que escolhem fazê-lo voluntariamente (Ver Phillips, Multiculturalism without Culture). Ou seja, a prática, mesmo que pareça intolerante aos olhos de muitos não é razão suficiente para que se intervenha.
Apesar de ser um argumento etnocêntrico, pode afirmar-se ainda que é o papel do Estado proteger os indivíduos de situações que possam ser prejudiciais. No entanto, a meu ver o paternalismo do Estado revelou-se historicamente perigoso e, parece-me, é sociologicamente incorrecto. É historicamente perigoso porque temos bastantes razões para duvidar da intervenção estatal – abusos, ditaduras e totalitarismos são resultados de excesso de intervenção. Em termos sociológicos, considerar que os indivíduos não são capazes de se responsabilizar pelos seus actos e tomar decisões é reduzir os indivíduos à cultura que eles têm sem dar espaço para qualquer liberdade. Esta posição que nasceu com a antropologia é, hoje, altamente criticada e pouco aceite na literatura académica.
O que é curioso é que esta mesma posição que concede às mulheres adultas liberdade para decidirem, protege também as crianças deste tipo de práticas. Se considerarmos que as crianças não podem fazer escolhas pelo menos ao mesmo nível de abstracção e racionalidade dos adultos, então o argumento da liberdade não se aplica a elas; de facto, existem boas razões para que se proíba este tipo de práticas até à idade adulta, de forma a dar liberdade de escolha às crianças.
Queria só salientar que esta perspectiva não é relativista. Pelo contrário, eu baseio-me em factos e argumentos objectivos acerca das capacidades humanas e do papel do Estado. Um relativista provavelmente concordaria comigo em alguns dos pontos que afirmei, mas por razões diferentes e, a meu ver, erradas.
Proibir a mutilação do clítoris é, de facto, uma medida etnocêntrica. Para compreender isto basta aludir a dois exemplos de práticas semelhantes que são aceites nas sociedades contemporâneas: cirurgia estética vaginal e piercing no clítoris. A primeira é aceite por razões estéticas, nomeadamente algumas mulheres desenvolvem uma ansiedade extrema devido ao seu aspecto; a segunda é igualmente por razões estéticas mas não como resultado de ansiedade mas apenas por gosto. Sendo estas as razões, parecem até bastante pobres se comparadas com as razões dadas para a tradição muçulmana (razões espirituais e religiosas). Normalmente, razões desta espécie são muito mais respeitadas do que meras razões estéticas.
Pode dizer-se que a diferença é que os casos ocidentais são voluntários e o muçulmano involuntário. Existe alguma verdade neste ponto, mas há dois comentários a fazer. O facto de um ser voluntário e o outro involuntário não tem implicações no problema em debate: se por princípio se deve proibir a mutilação genital feminina. O que é relevante neste debate é se se pode por princípio proibir esta prática. Outro comentário a fazer é que surpreendentemente há bastantes mulheres muçulmanas que escolhem fazê-lo voluntariamente (Ver Phillips, Multiculturalism without Culture). Ou seja, a prática, mesmo que pareça intolerante aos olhos de muitos não é razão suficiente para que se intervenha.
Apesar de ser um argumento etnocêntrico, pode afirmar-se ainda que é o papel do Estado proteger os indivíduos de situações que possam ser prejudiciais. No entanto, a meu ver o paternalismo do Estado revelou-se historicamente perigoso e, parece-me, é sociologicamente incorrecto. É historicamente perigoso porque temos bastantes razões para duvidar da intervenção estatal – abusos, ditaduras e totalitarismos são resultados de excesso de intervenção. Em termos sociológicos, considerar que os indivíduos não são capazes de se responsabilizar pelos seus actos e tomar decisões é reduzir os indivíduos à cultura que eles têm sem dar espaço para qualquer liberdade. Esta posição que nasceu com a antropologia é, hoje, altamente criticada e pouco aceite na literatura académica.
O que é curioso é que esta mesma posição que concede às mulheres adultas liberdade para decidirem, protege também as crianças deste tipo de práticas. Se considerarmos que as crianças não podem fazer escolhas pelo menos ao mesmo nível de abstracção e racionalidade dos adultos, então o argumento da liberdade não se aplica a elas; de facto, existem boas razões para que se proíba este tipo de práticas até à idade adulta, de forma a dar liberdade de escolha às crianças.
Queria só salientar que esta perspectiva não é relativista. Pelo contrário, eu baseio-me em factos e argumentos objectivos acerca das capacidades humanas e do papel do Estado. Um relativista provavelmente concordaria comigo em alguns dos pontos que afirmei, mas por razões diferentes e, a meu ver, erradas.