domingo, 11 de julho de 2010

O Impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião - Parte 3


Este tema foi dividido em três partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à na terceira parte, uma leve abordagem do impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.

A partir de Witt. II, surgiram muitas tentativas de elaborar uma Filosofia da Religião: tentativas de procurar outorgar a Religião um estatuto de respeitabilidade e racionalidade.
Formas de usar Wittgenstein à Filosofia da Religião: (i) Defesa do Agnosticismo - Parece, à primeira vista, que a filosofia wittgensteiniana sustentaria uma religião agnóstica, e não positiva como a cristã; (ii) Filosofia Analítica - estudar a gramática das expressões religiosas como se estuda a gramática de outros jogos de linguagem (esta postura desapareceu com o estudo aprofundado de Wittgenstein).
Essencialmente, deparamo-nos com duas posturas:
(i) Cyril Barret (1925-2003)
– insistência na importância da linguagem religiosa (filosofia analítica). Só podemos saber e avaliar a religião se estivermos introduzidos na sua expressão linguística [a crítica só vale a partir de dentro]. O crente procura expressar algo próximo ao indizível: nesse sentido, Wittgenstein segue a linha da patrística medieval a respeito da inefabilidade da linguagem religiosa. Assim, nem favorece o fideísmo nem o irracionalismo: apenas mostra como funciona a linguagem religiosa, com as suas características diferenciadoras dos outros tipos de linguagem (nomeadamente a cientifica);
(ii) Dewi Zephaniah Phillips (1934-2006) [protestante] – insistência na importância da prática religiosa – Wittgenstein assinalou uma prática, uma forma de vida, um compromisso com o mundo como um todo. Sustenta-se nas Investigações Filosóficas: “a filosofia deixa as coisas como estão”. Deve, portanto, permitir que a religião se manifeste tão como é. Assim, em lugar de considerar a religião como algo plenamente autónomo, ou defender como verdadeiras as proposições do credo religiosa, devemos, com Wittgenstein, ver a prática das pessoas religiosas.
- Crítica de K. Nielsen – Phillips é fideísta » enquanto Wittgenstein defende a religião em detrimento da teologia, Phillips defende a fé em lugar da teologia.
- William Donald Hudson – posição mais moderada [linguagem e praxis]. Existem dimensões humanas claras [como a ética e a cientifica]; e existem dimensões obscuras [como a religião], apesar de essencial ao ser humano [Wittgenstein I diz-nos que o valioso, dentro do qual se situa a Religião, é inexpressável; para Wittgenstein II, a religião delimita um espaço fundamental da vida humana, comportando um jogo de linguagem especifico e particular].


A ORIGINALIDADE de WITTGENSTEIN

Afinidade com o pensamento judeu – (i) “a Palavra é tudo e é nada”; o mais importante, no religioso, é o que não se expressa (absconditus); (ii) a revelação, não se dá na linguagem, mas na acção, na prática.
Originalidade de Wittgenstein em relação ao seu tempo – (i) afastamento do neopositivismo e do marxismo, que viam na religião um deslize humano contra o conhecimento (concebiam a Religião como algo a ser superado); (ii) afastamento em relação ao intelectualismo; (iii) exercita uma filosofia da religião que, mantendo-se crítica e distante, aproxima-se da Religião para a compreender, procurando evitar os seus maus usos.
Para Wittgenstein, a Religião é um signo do ser humano, o humano expressa-se através dela.


Complemento – Theology after Wittgenstein, Fergus Kerr [Fergus KERR, Theology after Wittgenstein, Basil Blackwell, New York, 1988].
- Tese de Kerr – a teologia está saturada do solipsismo cartesiano. Wittgenstein termina com cartesianismo na teologia: a via de comprovar a existência e os atributos de Deus pela certeza subjectiva e individual conduziu-nos à “morte de Deus”. [Rahner não tem razão: a teologia não deve centrar-se na consciência; isso é a sua ruína].
Desde Descartes, operou-se uma viragem, não apenas na filosofia, mas também na teologia: “theologians in the cartesian era” – ênfase no sujeito/ indivíduo [Rahner considerava que era impossível evitar, desde Descartes, a filosofia antropológico-transcendental]; no entanto, com Wittgenstein, somos convidados – em lugar de procurar racionalizar os dogmas da fé e explicá-los universalmente – a abandonar a argumentação desta subjectividade solipsista que exclui a pertença a uma comunidade/ tradição [proximidade de Karl Barth]; só é possível “explicar” e “justificar” a fé pela vivência concreta, num jogo de linguagem específico partilhado por uma comunidade.
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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

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