segunda-feira, 28 de junho de 2010

Existe manipulação das massas?

Existe uma tradição de origem marxista que afirma que o povo é manipulado no sentido em que são usados vários tipos de distracções para desviar as atenções daquilo que realmente é importante. Os exemplos mais usados são os desportos, as revistas cor-de-rosa, etc. Tudo isto, argumenta-se, são apenas objectos de manipulação das massas.

Ainda que seja verdade que muitas vezes as pessoas possam distrair-se daquilo que realmente é importante devido a esta manipulação, o argumento cai em pelo menos quatro erros. Em primeiro lugar, exagera o grau de distracção que estes objectos possam causar. Mesmo que eu me distraia da política (que parece ser o que é realmente importante) eu não fico completamente ausente, não estou noutro mundo por causa disso. Isto é, mantenho, de algum modo, as minhas preocupações e não esqueço que realmente existem problemas. O futebol não me faz esquecer nem na totalidade nem em grande parte os problemas com que tenho de lidar. É, aliás, pouco intuitivo afirmar que se eu tiver cancro, esqueço-me que o estado não me apoia porque me tento distrair com um jogo de futebol.

Um segundo erro é que este argumento considera que os indivíduos não têm nenhum grau de autonomia. Lembro-me de ouvir comentar que o Primeiro-Ministro José Sócrates anunciou algumas medidas fiscais pouco antes do jogo do Benfica começar. É claramente uma manobra de distracção, mas quem escolhe ver o Benfica em vez de ouvir o Primeiro-Ministro está a fazer uma opção que ninguém o obriga a fazer. É óbvio para qualquer pessoa que as palavras do Primeiro-Ministro são mais importantes, mas se ainda assim se escolhe ver o futebol, essa pessoa é inteiramente responsável por essa opção.

Em terceiro lugar, poder-se-ia argumentar que as pessoas não têm acesso à informação devida e, por essa razão, optam por ver o Benfica em vez de ouvir o Primeiro-Ministro. No entanto, isto é falso - a informação existe todos os dias de forma acessível através da televisão, internet, jornais e outros meios.

Em quarto lugar, o argumento parece assumir que qualquer distracção é um erro. Faz parte das nossas vidas usufruir daquilo que gostamos. O facto de eu gostar de ir ao cinema ou de seguir um desporto não implica que eu não esteja importado com o resto. Tenho o direito de optar e fazer aquilo que gosto.

Em conclusão, existe claramente uma tentativa de manipulação por parte das elites políticas; mas a tentativa é insuficiente para manipular as pessoas normais. Os políticos podem dar ópio para fumar, mas só fuma quem quer.

3 comentários:

  1. Reconheço a manipulação das massas, especialmente no meio informativo. Apesar da infeliz generalização, falta muito discernimento entre a sociedade, tornando o indivíduo persuasivo pelos meios de comunicação, que são controlados pelas grandes famílias, pelos conglomerados empresariais e pelos políticos.

    A classe média, em especial, fica mais a mercê desses veículos de comunicação. Ainda que o espectador, ouvinte ou leitor tenha o livre arbítrio, fica difícil fugir do ópio: a escolha é entre o previamente estabelecido. A escolha é entre o canal menos tendencionista ou entre o programa menos fútil. Isso quando se tem a regalia e a condição de escolher.

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  2. É claro que a opção final é do indivíduo que escolhe fumar o ópio ou não, porém vale ressaltar que o incentivo a leitura e a busca de informação com senso crítico é muito pouco estimulada da parte dos meios de comunicação de massa.
    Nos canais de televisão aberta quase a totalidade dos programas, quando não são matérias de jornal, muitas vezes toscas, tratam-se de programas sobre futilidades ou de esportes. Já na televisão por assinatura temos canais especializados de ciência ou história. As informações mais importantes sempre são mais difíceis de alcançar, incontestavelmente. Isto sem mencionar o preço abusivo de alguns livros, vide o mercado editorial, melhor do que o de alguns anos atrás, mas ainda minguado se compararmos com o de países sócio-economicamente desenvolvidos. Livros a preço quase de custo existem, mas não em quantidade suficiente para uma pesquisa sistemática mais aprofundada sem que muito dinheiro seja gasto.
    Então se o indivíduo não for dotado de uma percepção muito aguda ou de uma inteligência privilegiada, de preferência em uma família abastada, o que proporciona a oportunidade de comprar livros e ter acesso a centros culturais mais próximos de casa, é muito pouco provável que o mesmo não se deixe levar pelo “papo” de traficante que um adolescente ingênuo se deixa convencer. O bandido convence o ingênuo maliciosamente de que ao consumir tal produto ele é mais esperto, mais bonito, como faz a propaganda de bebida alcoólica, e como fazia a de cigarro, no Brasil. O mesmo pode-se dizer sobre distrações fúteis que tomam o seu tempo em que deveria ser utilizado com reivindicação de direitos de cidadania, ou visitando um centro cultural, um pouco distante da maior parte da população das grandes cidades, mas geralmente gratuito. Não estou querendo dizer com isto que distrações são ruins, concordo que podem ser bem utilizadas, na verdade, são necessárias como uma forma de lazer, de reabastecer energias, ou até mesmo, como uma forma de desenvolvimento criativo. Quero dizer que a manipulação de massas pode ter sua eficácia exagerada por algumas correntes de esquerda, mas ao mesmo tempo é muito mais perigosa do que parece, principalmente no que tange as classes mais desfavorecidas devido ao escasso acesso a cultura e a informação crítica.
    Estas escolhas de buscar informação ou não são escolhas individuais, claro, mas com o péssimo ensino público e com o desestimulo de acesso a cultura não é muito difícil imaginar quais escolhas serão estas. Cabe a nós, que atingimos um grau maior de esclarecimento, lutar contra este panorama.
    Na verdade o problema não está necessariamente em uma forma de escolha dual, buscar informação crítica ou não, mas sim na ingenuidade das massas. Fuma ópio quem quer, concordo, mas qual criança recusa balas ou chocolate?

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  3. Mas de qualquer maneira gostaria de parabenizar o blog e fico feliz que a internet tem um número cada vez maior de pensadores que preocupam-se em propagar informações de valor no lugar de futilidades. Gostei muito do blog e fiz questão de ser seguidor e acompanhar a matéria de vocês.
    Obrigado! :-)

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