quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pequenos excertos da «A Ética da Autenticidade» de Taylor

“Pode ser importante que a minha vida seja escolhida, tal como John Stuart Mill sustentam «On Liberty», mas a não ser que algumas opções sejam mais significativas que outras, a própria ideia de livre escolha cai na trivialidade e, como tal, na incoerência. A livre escolha como ideal só tem sentido porque alguns temas são mais significativos que outros. [...] Deste modo, o ideal da livre escolha pressupõe outros critérios de sentido além do simples facto de escolher. Este ideal não se sustenta por si mesmo porque requer um horizonte de critérios importantes que ajudem a definir em que medida a autodeterminação é significativa” (Ed 70, pp. 52-53).

"Em poucas palavras, podemos dizer que a autenticidade (A) implica (1) criação e construção, assim como descoberta, (2) originalidade e frequentemente (3) oposição às regras da sociedade e, eventualmente, ao que entendemos por moral. Mas também é verdade, como vimos, que (B) requer (1) abertura a horizontes de sentido (porque, de outra forma, a criação perde o contexto que a pode salvar da insignificância) e (2) uma definição de si feita em diálogo. Tem de admitir-se que se produzam tensões entre estas exigências, mas é nefasto privilegiar, sem mais, umas em detrimento das outras, por exemplo (A) em detrimento de (B) ou vice-versa" (Ed 70, p. 75).

domingo, 11 de julho de 2010

O Impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião - Parte 3


Este tema foi dividido em três partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à na terceira parte, uma leve abordagem do impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.

A partir de Witt. II, surgiram muitas tentativas de elaborar uma Filosofia da Religião: tentativas de procurar outorgar a Religião um estatuto de respeitabilidade e racionalidade.
Formas de usar Wittgenstein à Filosofia da Religião: (i) Defesa do Agnosticismo - Parece, à primeira vista, que a filosofia wittgensteiniana sustentaria uma religião agnóstica, e não positiva como a cristã; (ii) Filosofia Analítica - estudar a gramática das expressões religiosas como se estuda a gramática de outros jogos de linguagem (esta postura desapareceu com o estudo aprofundado de Wittgenstein).
Essencialmente, deparamo-nos com duas posturas:
(i) Cyril Barret (1925-2003)
– insistência na importância da linguagem religiosa (filosofia analítica). Só podemos saber e avaliar a religião se estivermos introduzidos na sua expressão linguística [a crítica só vale a partir de dentro]. O crente procura expressar algo próximo ao indizível: nesse sentido, Wittgenstein segue a linha da patrística medieval a respeito da inefabilidade da linguagem religiosa. Assim, nem favorece o fideísmo nem o irracionalismo: apenas mostra como funciona a linguagem religiosa, com as suas características diferenciadoras dos outros tipos de linguagem (nomeadamente a cientifica);
(ii) Dewi Zephaniah Phillips (1934-2006) [protestante] – insistência na importância da prática religiosa – Wittgenstein assinalou uma prática, uma forma de vida, um compromisso com o mundo como um todo. Sustenta-se nas Investigações Filosóficas: “a filosofia deixa as coisas como estão”. Deve, portanto, permitir que a religião se manifeste tão como é. Assim, em lugar de considerar a religião como algo plenamente autónomo, ou defender como verdadeiras as proposições do credo religiosa, devemos, com Wittgenstein, ver a prática das pessoas religiosas.
- Crítica de K. Nielsen – Phillips é fideísta » enquanto Wittgenstein defende a religião em detrimento da teologia, Phillips defende a fé em lugar da teologia.
- William Donald Hudson – posição mais moderada [linguagem e praxis]. Existem dimensões humanas claras [como a ética e a cientifica]; e existem dimensões obscuras [como a religião], apesar de essencial ao ser humano [Wittgenstein I diz-nos que o valioso, dentro do qual se situa a Religião, é inexpressável; para Wittgenstein II, a religião delimita um espaço fundamental da vida humana, comportando um jogo de linguagem especifico e particular].


A ORIGINALIDADE de WITTGENSTEIN

Afinidade com o pensamento judeu – (i) “a Palavra é tudo e é nada”; o mais importante, no religioso, é o que não se expressa (absconditus); (ii) a revelação, não se dá na linguagem, mas na acção, na prática.
Originalidade de Wittgenstein em relação ao seu tempo – (i) afastamento do neopositivismo e do marxismo, que viam na religião um deslize humano contra o conhecimento (concebiam a Religião como algo a ser superado); (ii) afastamento em relação ao intelectualismo; (iii) exercita uma filosofia da religião que, mantendo-se crítica e distante, aproxima-se da Religião para a compreender, procurando evitar os seus maus usos.
Para Wittgenstein, a Religião é um signo do ser humano, o humano expressa-se através dela.


Complemento – Theology after Wittgenstein, Fergus Kerr [Fergus KERR, Theology after Wittgenstein, Basil Blackwell, New York, 1988].
- Tese de Kerr – a teologia está saturada do solipsismo cartesiano. Wittgenstein termina com cartesianismo na teologia: a via de comprovar a existência e os atributos de Deus pela certeza subjectiva e individual conduziu-nos à “morte de Deus”. [Rahner não tem razão: a teologia não deve centrar-se na consciência; isso é a sua ruína].
Desde Descartes, operou-se uma viragem, não apenas na filosofia, mas também na teologia: “theologians in the cartesian era” – ênfase no sujeito/ indivíduo [Rahner considerava que era impossível evitar, desde Descartes, a filosofia antropológico-transcendental]; no entanto, com Wittgenstein, somos convidados – em lugar de procurar racionalizar os dogmas da fé e explicá-los universalmente – a abandonar a argumentação desta subjectividade solipsista que exclui a pertença a uma comunidade/ tradição [proximidade de Karl Barth]; só é possível “explicar” e “justificar” a fé pela vivência concreta, num jogo de linguagem específico partilhado por uma comunidade.
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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ética - uma compreensão inquieta acerca da existência e do agir humano.


I

O quotidiano do Homem tornou-se infindavelmente conturbado, sobretudo após diversos acontecimentos na sua História recente, o que contribuiu para uma necessidade iminente de inclusão da Ética como um pensar incontornável e cada vez mais decisivo na experiência de alteridade. Podemos aqui apresentar, inclusivamente, diferentes fundamentos para tal urgência, desde o crescente número de alienações, a precária condição humana, tiranias e humilhações que devemos combater através do discurso ético. Cada vez mais se manifesta o carácter indispensável de mudança, como que um renascer. Porém, desta vez, o renascer deverá remeter-nos para uma civilização à escala global onde valores como a Dignidade, Liberdade, Justiça e Bondade deverão prevalecer.
Tal combate, passível de realização através do discurso ético, visa o alcance de um consenso universal e simultaneamente solidário, visando o bem comum e uma busca incessante de valores que possam orientar a existência humana. Daqui surgiria uma civilização mais responsável, onde a vida humana conseguiria reaver algum sentido, visto que não deveremos esquecer nunca o seu carácter de finitude, algo efémero, contingente e determinado. De salientar, todavia, que o carácter finito da condição humana, não impede a realização de um projecto vital, pois é a partir deste mesmo projecto que o indivíduo descobre a sua própria autonomia, reflexo da sua vontade livre e desejavelmente racional.
Assim, a Ética apresenta-se-nos como um convite à acção, a um bom exercício da vontade, capaz de facultar argumentos contra as injustiças, violência, alienações, e erros. A Ética surge-nos como uma compreensão inquieta acerca da existência, que se vai actualizando consoante os ditames da vida humana, afirmando valores constitutivos de todo o agir, tendo em vista o sentido de responsabilidade para com o outro.
Deste modo, e ainda neste mesmo contexto, será incontornável fazer uma alusão à inseparabilidade entre Ética e Filosofia. A Filosofia é concebida como uma reflexão constante, inacabada, sempre em processo. Reflexão, esta, que se debruça sobre o sentido da existência e condição humana, cujo objectivo aponta para a compreensão da totalidade, mas também para a criação e orientação de um projecto vital. A Filosofia será, então, uma sabedoria para a vida, pensamento basilar, existencial e dinâmico, que conduzirá indubitavelmente a um projecto ético.


II

O Homem é ser no mundo. É perante ele que se abre um horizonte de possibilidades, no qual poderá, a todo o momento, esboçar um plano para a sua passagem pela existência, não obstante da sua finitude, triste condição humana. Considerando-se um ser contingente, afigura-se-lhe recomendável seguir todo um caminho de racionalidade, procurando respostas para todas as suas questões fulcrais.
Devemos ainda salientar que não existe apenas uma ética, mas várias éticas, na medida em que se pode encontrar uma ética religiosa, política, económica, etc. No conjunto de todas as éticas mencionadas, a ética política apresenta-se como a mais relevante. Isto é, a ética política assume, aqui, maior importância, pois ela tem a capacidade de nos levar a uma sociedade mais justa, possibilitando, deste modo, a concretização plena e/ou usufruto da dignidade humana, aspecto intrínseco ao Homem.
A Ética é marcadamente um esforço de reflexão sobre o agir humano, tendo como finalidade a boa orientação desse mesmo agir. Assim, podemos encarar a Ética como um constante trabalho de aperfeiçoamento do Homem, não esquecendo nunca que ele é um ser no mundo, facticidade da qual decorre um diálogo permanente entre o Eu e a circunstância.
Da liberdade advém sempre a noção de responsabilidade, na medida em que existe entre elas uma relação de implicação recíproca. Isto porque, só é responsável quem é livre, todavia, ser livre implica por si só ser responsável (nas suas decisões e acções).
Concluímos, então, que o Homem é detentor de dignidade, fazendo dele um ser de valor incomensurável.[1]

Mas outra questão se coloca: como podemos fundamentar o agir humano? Para proceder a esta explicação, podemos nomear alguns autores da filosofia moral como: Kant, John Rawls, Apel, entre outros. Tais autores apontam para uma ética baseada na racionalidade ascendendo, a todo o momento, a uma universalização por muitos desejada. É no princípio do querer (mediado pela razão e vontade autónoma, portanto livre) que se deve procurar, através do diálogo, a resposta para a fundamentação da Ética.
A Ética é um pensar essencial, nomeadamente na reflexão sobre o agir humano, em prol do bem comum. A sua fundamentação deve justificar a preferência de uns valores em detrimento de outros.



     Em suma, verifica-se que somente se poderá construir um novo conceito de humanidade a partir do momento em que se possua uma sabedoria fundamentada na autonomia, no respeito pelo outro, na tolerância e não menos importante o diálogo, pois vivemos sempre numa experiência de alteridade com responsabilidade.


[1] Neste sentido poderíamos aludir a Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde postulou as suas máximas em prol da dignidade humana, como por exemplo: “Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio.” Conclui-se que o valor dos seres humanos está acima de qualquer preço. Os seres humanos têm um valor intrínseco, a Dignidade.