quinta-feira, 22 de julho de 2010

Pequenos excertos da «A Ética da Autenticidade» de Taylor

“Pode ser importante que a minha vida seja escolhida, tal como John Stuart Mill sustentam «On Liberty», mas a não ser que algumas opções sejam mais significativas que outras, a própria ideia de livre escolha cai na trivialidade e, como tal, na incoerência. A livre escolha como ideal só tem sentido porque alguns temas são mais significativos que outros. [...] Deste modo, o ideal da livre escolha pressupõe outros critérios de sentido além do simples facto de escolher. Este ideal não se sustenta por si mesmo porque requer um horizonte de critérios importantes que ajudem a definir em que medida a autodeterminação é significativa” (Ed 70, pp. 52-53).

"Em poucas palavras, podemos dizer que a autenticidade (A) implica (1) criação e construção, assim como descoberta, (2) originalidade e frequentemente (3) oposição às regras da sociedade e, eventualmente, ao que entendemos por moral. Mas também é verdade, como vimos, que (B) requer (1) abertura a horizontes de sentido (porque, de outra forma, a criação perde o contexto que a pode salvar da insignificância) e (2) uma definição de si feita em diálogo. Tem de admitir-se que se produzam tensões entre estas exigências, mas é nefasto privilegiar, sem mais, umas em detrimento das outras, por exemplo (A) em detrimento de (B) ou vice-versa" (Ed 70, p. 75).

domingo, 11 de julho de 2010

O Impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião - Parte 3


Este tema foi dividido em três partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à na terceira parte, uma leve abordagem do impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.

A partir de Witt. II, surgiram muitas tentativas de elaborar uma Filosofia da Religião: tentativas de procurar outorgar a Religião um estatuto de respeitabilidade e racionalidade.
Formas de usar Wittgenstein à Filosofia da Religião: (i) Defesa do Agnosticismo - Parece, à primeira vista, que a filosofia wittgensteiniana sustentaria uma religião agnóstica, e não positiva como a cristã; (ii) Filosofia Analítica - estudar a gramática das expressões religiosas como se estuda a gramática de outros jogos de linguagem (esta postura desapareceu com o estudo aprofundado de Wittgenstein).
Essencialmente, deparamo-nos com duas posturas:
(i) Cyril Barret (1925-2003)
– insistência na importância da linguagem religiosa (filosofia analítica). Só podemos saber e avaliar a religião se estivermos introduzidos na sua expressão linguística [a crítica só vale a partir de dentro]. O crente procura expressar algo próximo ao indizível: nesse sentido, Wittgenstein segue a linha da patrística medieval a respeito da inefabilidade da linguagem religiosa. Assim, nem favorece o fideísmo nem o irracionalismo: apenas mostra como funciona a linguagem religiosa, com as suas características diferenciadoras dos outros tipos de linguagem (nomeadamente a cientifica);
(ii) Dewi Zephaniah Phillips (1934-2006) [protestante] – insistência na importância da prática religiosa – Wittgenstein assinalou uma prática, uma forma de vida, um compromisso com o mundo como um todo. Sustenta-se nas Investigações Filosóficas: “a filosofia deixa as coisas como estão”. Deve, portanto, permitir que a religião se manifeste tão como é. Assim, em lugar de considerar a religião como algo plenamente autónomo, ou defender como verdadeiras as proposições do credo religiosa, devemos, com Wittgenstein, ver a prática das pessoas religiosas.
- Crítica de K. Nielsen – Phillips é fideísta » enquanto Wittgenstein defende a religião em detrimento da teologia, Phillips defende a fé em lugar da teologia.
- William Donald Hudson – posição mais moderada [linguagem e praxis]. Existem dimensões humanas claras [como a ética e a cientifica]; e existem dimensões obscuras [como a religião], apesar de essencial ao ser humano [Wittgenstein I diz-nos que o valioso, dentro do qual se situa a Religião, é inexpressável; para Wittgenstein II, a religião delimita um espaço fundamental da vida humana, comportando um jogo de linguagem especifico e particular].


A ORIGINALIDADE de WITTGENSTEIN

Afinidade com o pensamento judeu – (i) “a Palavra é tudo e é nada”; o mais importante, no religioso, é o que não se expressa (absconditus); (ii) a revelação, não se dá na linguagem, mas na acção, na prática.
Originalidade de Wittgenstein em relação ao seu tempo – (i) afastamento do neopositivismo e do marxismo, que viam na religião um deslize humano contra o conhecimento (concebiam a Religião como algo a ser superado); (ii) afastamento em relação ao intelectualismo; (iii) exercita uma filosofia da religião que, mantendo-se crítica e distante, aproxima-se da Religião para a compreender, procurando evitar os seus maus usos.
Para Wittgenstein, a Religião é um signo do ser humano, o humano expressa-se através dela.


Complemento – Theology after Wittgenstein, Fergus Kerr [Fergus KERR, Theology after Wittgenstein, Basil Blackwell, New York, 1988].
- Tese de Kerr – a teologia está saturada do solipsismo cartesiano. Wittgenstein termina com cartesianismo na teologia: a via de comprovar a existência e os atributos de Deus pela certeza subjectiva e individual conduziu-nos à “morte de Deus”. [Rahner não tem razão: a teologia não deve centrar-se na consciência; isso é a sua ruína].
Desde Descartes, operou-se uma viragem, não apenas na filosofia, mas também na teologia: “theologians in the cartesian era” – ênfase no sujeito/ indivíduo [Rahner considerava que era impossível evitar, desde Descartes, a filosofia antropológico-transcendental]; no entanto, com Wittgenstein, somos convidados – em lugar de procurar racionalizar os dogmas da fé e explicá-los universalmente – a abandonar a argumentação desta subjectividade solipsista que exclui a pertença a uma comunidade/ tradição [proximidade de Karl Barth]; só é possível “explicar” e “justificar” a fé pela vivência concreta, num jogo de linguagem específico partilhado por uma comunidade.
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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ética - uma compreensão inquieta acerca da existência e do agir humano.


I

O quotidiano do Homem tornou-se infindavelmente conturbado, sobretudo após diversos acontecimentos na sua História recente, o que contribuiu para uma necessidade iminente de inclusão da Ética como um pensar incontornável e cada vez mais decisivo na experiência de alteridade. Podemos aqui apresentar, inclusivamente, diferentes fundamentos para tal urgência, desde o crescente número de alienações, a precária condição humana, tiranias e humilhações que devemos combater através do discurso ético. Cada vez mais se manifesta o carácter indispensável de mudança, como que um renascer. Porém, desta vez, o renascer deverá remeter-nos para uma civilização à escala global onde valores como a Dignidade, Liberdade, Justiça e Bondade deverão prevalecer.
Tal combate, passível de realização através do discurso ético, visa o alcance de um consenso universal e simultaneamente solidário, visando o bem comum e uma busca incessante de valores que possam orientar a existência humana. Daqui surgiria uma civilização mais responsável, onde a vida humana conseguiria reaver algum sentido, visto que não deveremos esquecer nunca o seu carácter de finitude, algo efémero, contingente e determinado. De salientar, todavia, que o carácter finito da condição humana, não impede a realização de um projecto vital, pois é a partir deste mesmo projecto que o indivíduo descobre a sua própria autonomia, reflexo da sua vontade livre e desejavelmente racional.
Assim, a Ética apresenta-se-nos como um convite à acção, a um bom exercício da vontade, capaz de facultar argumentos contra as injustiças, violência, alienações, e erros. A Ética surge-nos como uma compreensão inquieta acerca da existência, que se vai actualizando consoante os ditames da vida humana, afirmando valores constitutivos de todo o agir, tendo em vista o sentido de responsabilidade para com o outro.
Deste modo, e ainda neste mesmo contexto, será incontornável fazer uma alusão à inseparabilidade entre Ética e Filosofia. A Filosofia é concebida como uma reflexão constante, inacabada, sempre em processo. Reflexão, esta, que se debruça sobre o sentido da existência e condição humana, cujo objectivo aponta para a compreensão da totalidade, mas também para a criação e orientação de um projecto vital. A Filosofia será, então, uma sabedoria para a vida, pensamento basilar, existencial e dinâmico, que conduzirá indubitavelmente a um projecto ético.


II

O Homem é ser no mundo. É perante ele que se abre um horizonte de possibilidades, no qual poderá, a todo o momento, esboçar um plano para a sua passagem pela existência, não obstante da sua finitude, triste condição humana. Considerando-se um ser contingente, afigura-se-lhe recomendável seguir todo um caminho de racionalidade, procurando respostas para todas as suas questões fulcrais.
Devemos ainda salientar que não existe apenas uma ética, mas várias éticas, na medida em que se pode encontrar uma ética religiosa, política, económica, etc. No conjunto de todas as éticas mencionadas, a ética política apresenta-se como a mais relevante. Isto é, a ética política assume, aqui, maior importância, pois ela tem a capacidade de nos levar a uma sociedade mais justa, possibilitando, deste modo, a concretização plena e/ou usufruto da dignidade humana, aspecto intrínseco ao Homem.
A Ética é marcadamente um esforço de reflexão sobre o agir humano, tendo como finalidade a boa orientação desse mesmo agir. Assim, podemos encarar a Ética como um constante trabalho de aperfeiçoamento do Homem, não esquecendo nunca que ele é um ser no mundo, facticidade da qual decorre um diálogo permanente entre o Eu e a circunstância.
Da liberdade advém sempre a noção de responsabilidade, na medida em que existe entre elas uma relação de implicação recíproca. Isto porque, só é responsável quem é livre, todavia, ser livre implica por si só ser responsável (nas suas decisões e acções).
Concluímos, então, que o Homem é detentor de dignidade, fazendo dele um ser de valor incomensurável.[1]

Mas outra questão se coloca: como podemos fundamentar o agir humano? Para proceder a esta explicação, podemos nomear alguns autores da filosofia moral como: Kant, John Rawls, Apel, entre outros. Tais autores apontam para uma ética baseada na racionalidade ascendendo, a todo o momento, a uma universalização por muitos desejada. É no princípio do querer (mediado pela razão e vontade autónoma, portanto livre) que se deve procurar, através do diálogo, a resposta para a fundamentação da Ética.
A Ética é um pensar essencial, nomeadamente na reflexão sobre o agir humano, em prol do bem comum. A sua fundamentação deve justificar a preferência de uns valores em detrimento de outros.



     Em suma, verifica-se que somente se poderá construir um novo conceito de humanidade a partir do momento em que se possua uma sabedoria fundamentada na autonomia, no respeito pelo outro, na tolerância e não menos importante o diálogo, pois vivemos sempre numa experiência de alteridade com responsabilidade.


[1] Neste sentido poderíamos aludir a Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, onde postulou as suas máximas em prol da dignidade humana, como por exemplo: “Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre como um fim e nunca como um meio.” Conclui-se que o valor dos seres humanos está acima de qualquer preço. Os seres humanos têm um valor intrínseco, a Dignidade.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Religião na Filosofia de Wittgenstein - Parte 2: Investigações Filosóficas (1953)


Este tema foi dividido em três partes.
Na primeira, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein do Tractatus. Num segundo post, será exposta a Filosofia da Religião, no Wittgenstein das Investigações Filosóficas. Seguir-se à na terceira parte, uma leve abordagem do impacto de Wittgenstein para a Filosofia da Religião.


Aparente paradoxo: apesar de quase nunca fazer referência (directa) ao religioso e de o remeter a um jogo de linguagem, a partir da segunda filosofia de Wittgenstein surge uma rica e variada filosofia da religião.
Diferenças entre as duas fases do pensamento wittgensteiniano

Wittgenstein I Wittgenstein II
Religioso situa-se no absoluto, no valioso Religioso constitui uma das muitas manifestações da vida humana (é relativo e parcial)
Deus não se pronuncia A palavra Deus tem sentido dentro do jogo de linguagem da religião
Mutação dos conceitos chave – da Teoria Pictórica (com factos e proposições) para os Jogos de Linguagem (formas de vida, gramática profunda, regras de uso).

1) Jogos de Linguagem (Sprachespielen) – o sentido das palavras e das proposições já não depende do facto objectivo a que se refere, mas ao contexto em que a proposição é proferida [passagem do atomismo para o holismo/ coerentismo]; o jogo de linguagem é autónomo [não há uma disciplina catedrática que avalia que regras podem ser adoptadas]; as regras são internas a cada jogo de linguagem; cada jogo de linguagem só pode ser criticado a partir de dentro [das suas próprias regras internas]; dar significado é a função das regras do jogo de linguagem; alcança-se o conhecimento das regras, não mediante um intelectualismo estrito, mas a partir da prática.
Nota: o Tratactus só analisou um jogo de linguagem possível: o da ciência.
Consequência: já se pode dizer “Deus” (não existem limites da linguagem, apenas jogos distintos que revelam diferentes (e possíveis) formas de vida).
O jogo de linguagem do religioso não se deduz a partir de outro jogo de linguagem [é autónomo]. “Deus”, ao contrário de “átomo”, não pertence à linguagem da ciência mas tem sentido dentro do contexto da linguagem própria do sagrado. Por isso, apesar de exigirmos a verificação empírica de átomo, não podemos fazer a mesma exigência em relação a Deus [situa-se num jogo com regras de uso distintas daquelas que são utilizadas na linguagem científica].

A ciência não pode avaliar a existência de Deus, nem pode julgar as crenças religiosas. Só podemos criticar uma religião se a conhecermos desde dentro, a partir das suas regras internas, cujo conhecimento se obtém pela sua prática [vivência].

2) A crítica aos jogos de linguagem

Argumento contra o uso da filosofia dos jogos de linguagem: as religiões dizem conhecer algo que é válido fora do seu jogo de linguagem, consideram que o seu credo constitui uma Verdade universal e absoluta, não limitada a usos particulares realizados em situações concretas.
Resposta: (i) a abordagem de Wittgenstein quadra bem com o fideísmo luterano (não define Deus, mas remete-se para uma vivência pessoal); (ii) através dos jogos de linguagem não se descreve a religião, apenas se dá uma nova interpretação da mesma.

Wittgenstein II não é relativista? (i) é relativista no sentido de afirmar que algo é válido no Jogo de Linguagem A e falso noutro jogo de linguagem distinto; (ii) contudo, há um critério não relativo que estabelece a não verdade em questão.
Resposta: se alguém professa um credo professa-o absolutamente, ou seja, quem o profere aplica-o inteiramente à sua vida, ao seu agir [o homem religioso expressa-se absolutamente, não por entrar em contacto com o absoluto, mas por expressar o credo absolutamente; em Wittgenstein II, o valioso aparece no sentido de valer absolutamente].
Dois problemas desta interpretação: (i) como pode uma crença ser absoluta sem ser empírica?; (ii) como se relaciona um jogo de linguagem absoluto com outros jogos relativos?
(1) Wittgenstein refere-se a atitudes (formas de vida): sujeitos com crenças diferentes não se entendem, não se faz comunicação.
(2) A religião é um jogo de linguagem que se joga absolutamente, o que significa: (i) só alguns o jogam absolutamente; (ii) ou que todos os homens podem jogá-lo absolutamente.


3) As consequências da crítica

As crenças religiosas não se fundamentam como as hipóteses empíricas; o jogo de linguagem do religioso é claramente distinto dos restantes jogos de linguagem [proximidade de Karl Barth].
Questão do não-crente: o não-crente entende o significado da palavra Deus que o crente expressa; não entende as razoes que o levam a atribuir tal significado a essa palavra e, sobretudo, não compreender como o crente chega a ordenar toda a sua vida em função daquele significado [e de outros significados do mesmo jogo de linguagem]; o que o ateu não compreende é o impacto da religião na vida do crente [o significado que provém da vida do crente] – “o modo segundo o qual usas a palavra «Deus» não nos mostra a quem te referes mas o significado que dás”, diz Wittgenstein.

Particularidade do jogo de linguagem do religioso: tem regras mais complicadas, porque trata temas relacionados com toda a Vida, e não com um aspecto da Vida [visão do mundo como um todo, e não uma situação/ um facto do mundo]; na religião expressa-se o sentido total da existência » a religião é uma atitude que cristaliza um modo de ver o mundo [uma forma de vida global e englobante]: “a vida pode educar alguém a crer em Deus. E são também experiências as que conseguem tais coisas… sofrer de várias formas. Estas não nos mostram a Deus no sentido em que nos mostram um objecto, uma impressão sensorial”. A crença do crente é anterior à razão, não provem nem se destrói por deduções lógicas (exemplo de Dummet) – a vivência religiosa é meta-racional.
Defesa e interpretação nova do argumento anselmiano: “a essência de Deus se supõe que garanta a sua existência: o que isto quer dizer realmente é que o que aqui está em questão é a existência de algo” – a existência é indiscutível (esta é a primeira e a mais firme das crenças) – a essência de Deus mostra-se na vivência do crente [a existência do religioso não se discute, porque é condição de possibilidade da vivência pessoal do crente e do seu agir].
Conclusão: como a crença religiosa é distinta de todas as outras por estar construída sobre toda a vida, não pode ser refutada como as demais: para a destruir tem de se mudar toda a vida, toda a acção, do crente; trata-se de uma crença que não se capta no pensamento, mas na acção, na Vida.
Nota: por isso, alguns neowittgensteinianos reduziram a religião à prática.


4) Crenças e não crenças na Religião – Existem crenças religiosas?

A religião é meta-racional – a conversão não é produto do intelecto: o crente não professa uma religião porque alcançou o credo religioso de forma lógico-racional [exemplo do budista]; o convertido passou a ver o mundo a partir do jogo de linguagem da religião em causa (exemplo do budismo) » não são crenças habituais: trata-se de dar um valor simbólico a experiências pessoais » [em Observaciones a “La Rama Dorada” de Frazer (1967), a religião aparece como algo não cognitivo que expressa os anseios mais profundos do ser humano: o mágico-religioso constitui uma reacção expressiva que não brota da reflexão teórica] »
os significados só são válidos, e plenamente compreensíveis, para quem se situa dentro do mesmo jogo de linguagem.
Novidade de Wittgenstein: não há propriamente crenças religiosas; a crença religiosa é elaboração posterior de certas emoções; apenas há a substituição da emoção por uma palavra, que depois nos leva a uma crença [que na realidade constitui apenas uma emoção, e não propriamente uma crença].
Equívocos a evitar: (i) pensar que a religião é crença positiva; (ii) pensar que o mágico-religioso é técnica [como a alquimia do passado, por exemplo]; (iii) o homem religioso cair na teologia.

Fenómeno que ameaça a Religião – considerar que a expressão do sentimento religioso, com uma subjectividade semelhante à da dor, se pode analisar como um facto objectivo.
Conclusão: (i) o fenómeno religioso não tem de se submeter às hipóteses e análises científicas; (ii) o mágico-religioso vale como expressão universal do sentido da vida [o que há de mais importante]; (iii) Wittgenstein apenas mudou a sua maneira de fazer filosofia, não alterou significativamente a sua concepção básica de religião.
Noção wittgensteiniana de Religião – fenómeno humano expressivo e universal; valioso; não se justifica por uma racionalidade estrita [âmbito mata-racional] » [Wittgenstein I: a religião remete-se à esfera do Silêncio; Wiitgenstein II: refere-se a um jogo de linguagem distinto do jogo de linguagem da ciência]; não se justifica, pois é condição de possibilidade de vivência a vida como um todo [uma forma de vida (Lebensform)].

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Cf., SÁDABA, Javier - Lenguaje religioso y filosofía analítica: del sinsentido a una teoría de la sociedad. Barcelona: Fundación March, 1977.
Cf., SÁDABA, Javier - Filosofía, lógica, religión. Salamanca : Sígueme, 1978.
Cf., SÁDABA, Javier - Lo místico en Wittgenstein. In: Taula - Palma - N.º 29-30 (1998), p. 57-64.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Apontamentos sobre Poder e Política

As relações de poder sempre existiram em todas as sociedades, são um elemento constitutivo da própria trama social. A política só existe quando esse poder explícito é questionado, quando as insituições e as leis da sociedade são postas em causa e interrogadas quanto à sua justiça. A democracia é por isso o regime político por excelência, ou melhor, a democracia é a possibilidade da política. A democracia (e a actividade política) é o espaço do partilhável e do participável e não o domínio de especialistas. A política é a afirmação sem reticências , tal como dizia Aristóteles, da capacidade de todos para governar e ser governados, é a actividade daqueles que não têm nenhum direito especial para o fazer, seja esse direito adquirido por filiação, pelo saber, ou pela força.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Deve a Pornografia ser abolida?

Há vários argumentos a favor da proibição da pornografia. Vou considerar aqui os três que me parecem ser mais importantes. O primeiro argumento é que usar a sexualidade como emprego é moralmente errado. No entanto, numa sociedade em que se valoriza a liberdade este tipo de argumento não pode funcionar - trata-se de uma decisão autónoma e é prioridade das sociedades actuais deixar os indivíduos viverem como bem entendem, se isso não prejudicar terceiros

O segundo argumento é normalmente defendido por feministas: a pornografia é um modo de sujeição das mulheres e cria ilusões acerca daquilo que as mulheres realmente querem; consequentemente, é a causa de bastantes violações e comportamentos violentos da parte dos homens. Além disso, cria nas mulheres um comportamento que as diminui e que serve para beneficiar os homens.

Em resposta, pode afirmar-se que a correlação entre violações, comportamentos violentos e subjugação das mulheres por causa da pornografia é bastante fraca. Não existem dados que o demonstrem. Suspeito aliás que a pornografia pode ter tido algum papel na libertação sexual das mulheres no sentido em que liberou o comportamento sexual para ambos os sexos. Além disso, se a ficção tivesse um impacto mais forte do que a realidade, ter-se-ia de desconstruir toda a ficção que se produz.

Outro argumento feminista é que as mulheres que optam pela pornografia (ou pela prostituição) normalmente são mulheres que não têm qualquer outra opção. Admito que em alguns casos possa ser verdade, mas duvido que esta seja a regra. A opção, pelo menos nos casos de pornografia, é feita porque o salário é mais alto do que outros empregos. É pouco provável que as actrizes pornográficas não pudessem ser empregadas de mesa, por exemplo. Este argumento cai ainda no preconceito de que usar o sexo enquanto emprego é errado. No entanto, como vá afirmei acima, é simplesmente um preconceito. Além disso, parece-me que tirar a opção monetária às mulheres e aos homens que teriam de optar por carreiras menos remuneradas, caso não tivessem esta opção.

Existe manipulação das massas?

Existe uma tradição de origem marxista que afirma que o povo é manipulado no sentido em que são usados vários tipos de distracções para desviar as atenções daquilo que realmente é importante. Os exemplos mais usados são os desportos, as revistas cor-de-rosa, etc. Tudo isto, argumenta-se, são apenas objectos de manipulação das massas.

Ainda que seja verdade que muitas vezes as pessoas possam distrair-se daquilo que realmente é importante devido a esta manipulação, o argumento cai em pelo menos quatro erros. Em primeiro lugar, exagera o grau de distracção que estes objectos possam causar. Mesmo que eu me distraia da política (que parece ser o que é realmente importante) eu não fico completamente ausente, não estou noutro mundo por causa disso. Isto é, mantenho, de algum modo, as minhas preocupações e não esqueço que realmente existem problemas. O futebol não me faz esquecer nem na totalidade nem em grande parte os problemas com que tenho de lidar. É, aliás, pouco intuitivo afirmar que se eu tiver cancro, esqueço-me que o estado não me apoia porque me tento distrair com um jogo de futebol.

Um segundo erro é que este argumento considera que os indivíduos não têm nenhum grau de autonomia. Lembro-me de ouvir comentar que o Primeiro-Ministro José Sócrates anunciou algumas medidas fiscais pouco antes do jogo do Benfica começar. É claramente uma manobra de distracção, mas quem escolhe ver o Benfica em vez de ouvir o Primeiro-Ministro está a fazer uma opção que ninguém o obriga a fazer. É óbvio para qualquer pessoa que as palavras do Primeiro-Ministro são mais importantes, mas se ainda assim se escolhe ver o futebol, essa pessoa é inteiramente responsável por essa opção.

Em terceiro lugar, poder-se-ia argumentar que as pessoas não têm acesso à informação devida e, por essa razão, optam por ver o Benfica em vez de ouvir o Primeiro-Ministro. No entanto, isto é falso - a informação existe todos os dias de forma acessível através da televisão, internet, jornais e outros meios.

Em quarto lugar, o argumento parece assumir que qualquer distracção é um erro. Faz parte das nossas vidas usufruir daquilo que gostamos. O facto de eu gostar de ir ao cinema ou de seguir um desporto não implica que eu não esteja importado com o resto. Tenho o direito de optar e fazer aquilo que gosto.

Em conclusão, existe claramente uma tentativa de manipulação por parte das elites políticas; mas a tentativa é insuficiente para manipular as pessoas normais. Os políticos podem dar ópio para fumar, mas só fuma quem quer.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Menos armamento significa mais paz?

Está bastante em moda o argumento de que menos armas no mundo implica também mais paz. Este argumento diz respeito à defesa do estado (polícia, militares, etc.). A tese é que se houver menos armas no mundo, haverá também menos guerras.

Mas será que isto é verdade?

Eu penso que não; aliás, muitas vezes acontece exactamente o contrário - a existência de armas previne que haja mais conflictos. A razão pela qual assim é é que o facto de ambas as partes possuírem armas incentiva a que não se tome o primeiro passo. Em outras palavras, se A e B têm ambos uma pistola, é menos provável que um deles decida atacar o outro. Por outro lado, se apenas um tiver uma pistola, é mais provável que isso aconteça. Factos históricos comprovam-no: não houve guerra armada na Guerra Fria; as invasões de países por parte dos Norte-americanos são sempre a países com pouco armamento - a Coreia do Norte não foi invadida mas o Afeganistão foi.

Dito isto, a questão não se trata de diminuir o número de armas, mas de equilibrar o poder. Diminuir o armamento não funciona e pode, aliás, ter um efeito negativo: as partes têm um forte incentivo para não cumprir o acordo o que poderá levar a um desequilíbrio. Assim, termimo afirmando: "All we're saying is give guns a chance!"

sábado, 19 de junho de 2010

Será o poder a essência do político?


Será o poder a essência do político?

Todo o exercício de poder é coercitivo?

Se se exercer o poder, com a anuência do outro indivíduo, esse poder é coercitivo ou não?

       


  Desde a Antiguidade vários filósofos se debruçaram sobre questões como a política e todos os conceitos que lhe são inerentes. De momento cabe-nos aqui repensar o conceito de poder (como é exercido?).

         A noção de poder:
         Esta noção é susceptível de ser entendida como o direito de mandar, ordenar, deliberar e impor sobre algo e/ou alguém, veja-se por exemplo no campo político as ditaduras e regimes totalitários. Tal conceito pode ainda ser entendido como uma algo em potência que pode vir a actualizar-se a dado momento, consoante as circunstâncias.

         Será o poder a essência do político?
         Relativamente a esta questão, considero que o poder, embora seja importante e necessário para manter uma dada ordem num regime, não é de todo a essência do político. É a sua obtenção que se acaba por tornar a grande essência. O político cresce com as influências que consegue angariar dentro do meio que o sustenta; quanto maior for o número de influências maior será a capacidade deste coagir os outros. Isto pelo simples facto de que o político, enquanto figura que detém o poder, detém igualmente a autoridade. O poder é-lhe, inicialmente[1], reconhecido como válido (legítimo), decorrendo daqui a sua autoridade. A verdadeira política deveria ser aquela que tem como essência uma ideologia uma teoria, onde um grupo poderá ser coagido por uma corrente de ideias e não pelas influências de que possam ser alvo.
         Assim, o poder é importante para o político, mas não é de todo a sua essência. Há que ter em conta o papel relevante da autoridade (quando legítima); como é exercido tal poder e como é usada a autoridade. A autoridade pode ser pensada como uma forma de usar o poder. Deste modo, o político tem autoridade para mandar nos subordinados, e estes o dever de acatar as normas enunciadas pelo político.

Todo o exercício de poder é coercitivo?
Nem todo o poder é exercido de forma coerciva, num sistema verdadeiramente democrático existe a livre escolha de quem irá liderar, pelo menos será a escolha da maioria, embora se possa cair então num paradoxo, uma vez que há minorias que possam não aceitar, sendo que esses acabarão sempre por se sujeitar a uma certa coação pelas normas estabelecidas.
Em casos claros como o comunismo e o nacionalismo ou outras formas de totalitarismo torna-se bastante óbvia a utilização e abuso de poder perpetrado pelo líder do regime para se impor perante um povo. Neste tipo de regimes torna-se fulcral a manutenção do poder e da coação, isto se o indivíduo em questão se quiser manter no poder. Para tal é usada a propaganda, muitas vezes camuflada, como que passando mensagens subliminarmente.


Se se exercer o poder, com a anuência do outro indivíduo, esse poder é coercitivo ou não?

            A meu ver, tal poder não deixa de ser coercitivo, pois não sabemos de tudo aquilo que se encontra por detrás de uma determinada decisão de outro indivíduo, como por exemplo o seu consentimento perante aquele que exerce o poder.
            Atente-se que, quando o poder não se faz sentir, são utilizados meios de repressão, força e violência que ameaçam a vida de vários sujeitos. Estes meios levam a que o indivíduo comum tenha de tomar decisões das quais pode não se orgulhar, mas tendo sempre em vista o bem daqueles que lhe são próximos. Neste caso seria uma decisão forçada, um mal menor, para poder preservar a vida dos seus entes. A anuência seria apenas aparente. O indivíduo teria tomado uma decisão, forçado pela autoridade.
            Podíamos ainda aludir aqui a outro tipo de anuência, através da manipulação e propaganda, onde se vende uma imagem, um ideal. Ao fazer uso da propaganda, é como se o ser humano comum, ao ver aquilo que o rodeia, fosse impelido a tomar decisões quase que de forma inconsciente ou sem saber fundamentá-las convenientemente. A propaganda serve, neste contexto, para o culto à imagem (sendo esta aquilo que rende mais em sociedades menos alfabetizadas).


[1] Usei o termo inicialmente, na medida em que este mesmo poder, do qual o político foi investido, pode a todo o momento ser subvertido por ele próprio, decorrendo daqui o abuso de poder. Com o abuso de poder são visados apenas os interesses particulares do político, a sua vontade por vezes injustificável.